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Michel Schlesinger

Pessach e a responsabilidade coletiva

Em tempos de pandemia, metáfora do ritual judaico é ainda mais atual

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Nesta quarta-feira (8) começa a Festa de Pessach. A comunidade judaica no Brasil e em todo o mundo lembrará o episódio bíblico do êxodo do Egito. A recordação daquela passagem da escravidão para a liberdade é sempre um poderoso chamado para a defesa da liberdade de todos os homens e mulheres em todos as épocas e lugares.

Durante o jantar tradicional deste feriado religioso, costumamos perguntar: “Por que esta noite é diferente das outras?”. Neste ano, em função da pandemia do novo coronavírus, aquela será totalmente distinta das demais.

O rabino Michel Schlesinger, representante da Confederação Israelita do Brasil para o diálogo inter-religioso - Mathilde Missioneiro - 5.fev.20/Folhapress

A Festa da Liberdade é comemorada com grandes encontros entre as famílias e os amigos. Neste ano, no entanto, não haverá reuniões nas sinagogas e nos clubes. As famílias também não poderão reunir as diferentes gerações em torno de um jantar com 30, 40 ou até 50 pessoas, como fizeram no passado.

Desta vez, os encontros serão em núcleos pequenos que se expandirão, eventualmente, com o uso da tecnologia.

A celebração judaica acontece em volta de uma mesa repleta de símbolos, canções, rezas e comida. O ritual alterna representações de escravidão com elementos de liberdade. Deste modo, provamos ervas amargas para lembrar a amargura da escravidão; molhamos os alimentos em água salgada para recordar o suor e as lágrimas dos escravos. Por outro lado, devemos nos reclinar em almofadas de maneira confortável, beber quatro taças de vinho e comer bem para lembrar que hoje somos livres.

Somos mesmo?

A alternância de símbolos de escravidão e símbolos de liberdade tem um significado profundo. O ritual do Pessach nos arremessa na travessia do Mar Vermelho, no meio da passagem. Ao instituir uma ceia em que convivem o amargo e o doce, a tradição judaica convida a nos sentir na transição entre a liberdade e a escravidão.

Se, por um lado, festejamos o fato de não sermos mais escravos, ainda não podemos celebrar nossa liberdade absoluta. O Pessach nos chama a atenção para este lusco-fusco.

Temos a consciência de que não somos mais escravos, mas também precisamos reconhecer que ainda não somos completamente livres. Enquanto vivermos em um mundo em que não há liberdade para todos e todas, a travessia não estará completa.

Neste ano, diante da crise da pandemia do coronavírus, esta metáfora se torna ainda mais poderosa. Fomos arremessados no meio de uma travessia. A única maneira de cruzar este Mar Vermelho será reconhecendo que somos responsáveis uns pelos outros. Como já ficou cristalino, o vírus não respeita fronteiras ou etnias, ele também não distingue religião ou cor de pele, preferências sexuais ou políticas não determinam o grau de exposição à doença.

Assim como o desafio é universal, sua resolução também o será. Apenas se pudermos ser solidários e fortalecermos a consciência de que nossos destinos estão absolutamente entrelaçados teremos chances de concluir, coletivamente, essa travessia.

Michel Schlesinger

Bacharel em direito (USP), é rabino da Congregação Israelita Paulista e representante da Confederação Israelita do Brasil para o diálogo inter-religioso

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