Passado o primeiro mês desde que as escolas fecharam suas portas para tentar achatar a curva de contaminação pela Covid-19, a pergunta que nos ensurdece e segue sem resposta é a mesma: quando tudo vai voltar ao normal?
Sinto-lhes informar que o normal já não existe mais. São mais de 2,3 milhões de pessoas infectadas e 165 mil mortos (que não tiveram velório) no mundo. Os deslocamentos cessaram, países fecharam suas fronteiras, o dólar subiu na mesma medida em que a bolsa caiu. A violência doméstica aumentou exponencialmente. As escolas invadiram as casas através do ensino a distância. Avós foram, radicalmente, separadas de seus netos. Domésticas perderam seus empregos. Pequenas empresas estão falindo, enquanto milhões de médicos e cientistas não dormem —trabalhando, arduamente, seja no front do combate à pandemia ou na busca pelo tratamento e/ou vacina deste ser microscópico que mudou nossas vidas.
Foi um mês exaustivo e sentimos um monte de coisas, mas, acima de tudo, medo: do desconhecido, de enlouquecer, de falir, de adoecer e da falta de controle de nossas vidas —apesar de ser a morte a única certeza que nos faz humanos. Sentimos saudades do mar, dos parentes e da liberdade.
Todos fomos compelidos a reorganizar nossas rotinas, dentro do limite de nossas casas. Mas sinto que ainda não conseguimos desacelerar e perceber que o mundo nos pede pausa — para refletirmos sobre a maneira, insustentável, como estávamos nos relacionando com o trabalho, nossos filhos, pares, idosos e, acima de tudo, com o planeta. Fomos convocados a repensar o papel da ciência, do feminino no cuidado da família, do uso que fazemos da tecnologia e, também, da escola na aprendizagem.
Em momentos de crise e escassez, sempre temos alguma escolha. Seja de seguir como estávamos ou de transformar o que nos cabe —a começar por nossos hábitos. Podemos escolher atravessar essa quarentena para nos reconectar com a beleza da simplicidade e com o poder da solidariedade. Reduzindo urgências e aprendendo a priorizar no cotidiano, voltando a cozinhar em família e revisitando histórias e memórias —como bem coletivo. Podemos ensinar nossas crianças a serem mais resilientes e autônomas, além de escutá-las em toda sua potência. Podemos, finalmente, entender que habilidades socioemocionais são mais importantes que conteúdos acadêmicos na formação de cidadãos.
Das janelas, nossas crianças assistem a um espetáculo único e silencioso na história. Fantasiam como será esse tal coronavírus, que não sai das telas, e as impede de andar livremente, de ver seus amigos e avós. De nossas janelas, as crianças sentem medo, angústia e tédio. Tentam se adaptar à nova rotina de ensino a distância que não faz sentido algum dentro do seu quarto, sem o encontro nos corredores, o som barulhento dos recreios, ou o abraço do professor.
Sofrem pela falta de resposta dos adultos sobre quando tudo vai voltar ao normal. Das janelas, as crianças sonham no que farão quando tudo passar e seguem acreditando na utopia. Daqui a alguns anos tenho certeza de que as crianças da quarentena de 2020 contarão mais histórias sobre tudo que foi possível aprender com seus incansáveis professores, inventar, sonhar e experimentar em família no isolamento social —mais do que foram impedidas de fazer. Por enquanto, seguimos todos nas janelas na esperança de que tempos melhores virão pela força do afeto e da empatia.
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