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Orlando Morando

Uma gripezinha que mata muita gente

Senti uma falta de ar asfixiante, a pior sensação que já tive na vida

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Orlando Morando

Eu jamais desdenhei do coronavírus. Desde as primeiras notícias da explosão da pandemia na China, pedi para os especialistas da Prefeitura de São Bernardo do Campo que estudassem o assunto. Ainda em janeiro, criei um comitê para o acompanhamento da futura e inevitável crise em nossa cidade. Pessoalmente, tomei as medidas recomendadas pelos médicos.

Mas nunca pensei que o vírus seria tão destrutivo. Na saúde pública, superou todas as previsões mais pessimistas, dizimando dezenas de milhares de pessoas e chegando a todas as partes do mundo. Pessoalmente, tive a pior sensação da minha vida e a e um medo terrível da morte.

O prefeito de São Bernardo, Orlando Morando (PSDB-SP) - Mathilde Missioneiro - 1.out.19/Folhapress

Não sei como o vírus me pegou. Tomei os cuidados possíveis e recomendados, mas a vida pública me faz ter contato com várias pessoas e participar de reuniões e eventos, alguns com a presença de pessoas que também se contaminaram. Em 24 de março, os testes confirmaram que eu e minha mulher, Carla, estávamos com o coronavírus.

Mandamos nossos dois filhos para o interior com parentes e iniciamos o isolamento de 14 dias recomendado pelos médicos. Com 45 anos, sem problemas crônicos de saúde e sem tomar bebidas alcoólicas desde o começo do quaresma, o que me fez perder peso, não me dei conta dos riscos que corria.

Quatro dias depois, porém, não aguentei. Senti uma falta de ar asfixiante, a pior sensação que já tive na vida. Fui levado ao hospital e, minutos depois, já estava na UTI. A melhora não vinha. A família e os amigos estavam longe. Na solidão da UTI, o medo é inevitável. Você dorme e não sabe se irá acordar. Não sabe se voltará a ver mulher, filhos e pais. É preciso de muita resiliência, muita fé nos médicos e em Deus para não se desesperar.

Foram oito dias de cuidados intensivos. Só melhorei com a introdução de um novo medicamento, que prefiro deixar para os médicos explicarem. Vi de perto a fragilidade da vida e a importância de valorizá-la. É o nosso maior bem. O mais simples e mais importante. Tudo que eu queria era abraçar quem eu amo. E, por eles, não podia.

Também pensei muito em como são necessárias as medidas de prevenção recomendadas pelos médicos e pelas autoridades responsáveis. E como pode ser fatal, ceifando muitas vidas e destruindo famílias, a postura de lideranças políticas que menosprezam a epidemia, dizendo que tudo não passa de uma gripezinha.

Aqui em São Bernardo, como no estado de São Paulo, não fazemos nada que não seja chancelado por especialistas em saúde pública. Dedicamos nossas principais unidades de saúde ao tratamento exclusivo do coronavírus, com investimento de R$ 130 milhões.

Suspendemos as aulas antes de outras cidades, estados e do governo federal. Distribuímos 29 mil kits de alimentação para alunos carentes. Suspendemos folgas e férias de trabalhadores da saúde. Fechamos parques e praças e colocamos a guarda municipal para dispersar aglomerações e orientar os idosos a deixarem as ruas.

Todos precisam fazer sua parte contra um inimigo duro de enfrentar. É preciso valorizar a ciência, o conhecimento e a solidariedade. O bem coletivo está acima de vontades individuais. As pessoas precisam ser mais humanas. É urgente abandonar discussões ilógicas e falsas dicotomias entre a economia e a saúde. O que vai adiantar discutir a economia para quem não tem mais saúde?

A crise será longa. A ciência está mostrando que o isolamento é a chance que temos para proteger as pessoas e, consequentemente, toda a sociedade. Mesmo os que desdenham do isolamento e da ciência. Mesmo aqueles que, irresponsavelmente, acham que esse surto que arrasa o mundo não passa de uma gripezinha.

Orlando Morando

Empresário, 45, é prefeito de São Bernardo do Campo (PSDB-SP)

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