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Pércio de Souza e Ben-Hur Ferraz Neto

Covid-19 e a mortalidade fora dos hospitais

Por que a grande maioria dos óbitos não está passando por UTIs?

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Pércio de Souza Ben-Hur Ferraz Neto

Desde quando começamos a acompanhar a pandemia de Covid-19, com o apoio do Instituto Estáter, iniciamos uma investigação das informações disponíveis nos países infectados para levar ao debate de um grupo multidisciplinar com quem nos reunimos duas vezes por semana.

Tentamos entender os números atrás da tragédia que assolou vários países e criou um estado de choque global. Buscamos analisá-los de forma pragmática, sem o impacto de nos percebermos vulneráveis e da preocupação com nossos filhos, pais e amigos em risco. Os dados ainda nos intrigam com perguntas buscando respostas. Concentremo-nos aqui num ponto específico: o que tem impactado a mortalidade?

Padre abençoa caixões que se acumulam em igreja devido às mortes provocadas pelo novo coronavírus, na Lombardia (Itália) - Flavio Lo Scalzo - 28.mar.20/Reuters

O início da pandemia na Itália e Espanha criou um trauma na comunidade médica, que viu o sistema de saúde despreparado para enfrentar a demanda. Os pacientes eram selecionados pelo juízo de cada médico, de quem sobreviveria e quem não. A consequência foi um esforço global para conter a demanda (expansão do vírus) e melhorar a oferta (aumento de leitos). Aparentemente, nos EUA e na Europa, a primeira fase deu resultado.

No caso da Itália, não identificamos falta de UTIs desde meados de março: no dia 27, no ápice da curva pandêmica, havia 15% de ociosidade nas 1.500 UTIs da Lombardia (Protezione civile e Ministerio ​della Salute), região de maior mortalidade. No Reino Unido, segundo o NHS-UK (National Heath Service), a capacidade ociosa estava em 28% na semana de 20 abril. Nos EUA, também assolados pela infecção, tampouco há indicação de falta de leitos.

Mas o intrigante é que, mesmo com a maior oferta, os números de mortalidade não arrefeceram em nenhum dos países mencionados.

Por quê?

Voltando à Lombardia, entre 27 de março e 6 de abril (dez dias) houve 3.500 óbitos por Covid-19. No dia 27 de março havia 24 mil casos positivos —12,4 mil hospitalizados, dos quais 1.300 em UTI. Assumindo que uma parcela desses internados morre e mesmo considerando uma rotatividade nos leitos, é fácil deduzir que a maioria dos óbitos não passou pelas UTIs. Isso se repete nas demais províncias italianas com maior ou menor intensidade.

Os EUA, em 22 de abril, conforme os DH (Departments of Health), haviam acumulado 889 mil casos e 92,4 mil hospitalizações, dos quais 20,5 mil pacientes passaram ou estavam em respiradores ou UTIs. Óbitos, até então, somavam 44,1 mil. Se mortes de pacientes nas UTIs representassem 20% (CDC-Centers of Disease Controll and Prevention; dados de 16 de março), também concluímos que a maioria dos pacientes não morreu nas UTIs.

Em São Paulo, os números são muito recentes, e os dados ainda transitórios, mas também demonstram a mesma tendência.

A queda silenciosa de oxigenação identificada pelos especialistas surge como a principal suspeita, mas nos parece que falta uma conclusão estruturada e estratégia a ser implementada. Entendemos que respostas sobre o número de óbitos fora das UTIs, e possivelmente dos hospitais, tenham que ser concomitantes à discussão sobre leitos. Não apenas pela relevância do número aparente de casos, mas também porque poderão influenciar na conta necessária para leitos dedicados à Covid-19.

As perguntas que parecem pertinentes: 1 - Por que a grande maioria dos óbitos não está passando por UTIs (ou hospitais)?; 2 - Qual procedimento é recomendável para diminuir essa mortalidade pré-hospitalar?; e 3 - Como a eventual mudança afeta o protocolo de internação ou de acompanhamento ambulatorial?

É uma discussão necessária e ainda tempestiva, uma vez que o pico da curva no Brasil está por vir. Se epidemiologistas concluírem por mudanças de protocolo, ainda dará tempo para implementá-las e salvar muitas vidas.

Pércio de Souza

Engenheiro e fundador do Instituto Estáter

Ben-Hur Ferraz Neto

Cirurgião de transplante de fígado do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (SP)

TENDÊNCIAS / DEBATES

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