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Cristina Zahar

Dia da Imprensa: há o que comemorar?

Pandemia resgatou a credibilidade do jornalismo profissional brasileiro

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Cristina Zahar

Pandemia, crise política e econômica, desrespeito às instituições, ameaças à democracia. Nesta segunda-feira (1º), Dia da Imprensa, há mesmo o que comemorar no Brasil? Pergunta difícil, com múltiplas respostas. No que toca à imprensa é possível responder sim e não. Primeiro, o sim. A mais importante lição da pandemia para o jornalismo brasileiro é o resgate de sua credibilidade pelo público. Em meio a tanta desinformação —as famigeradas “fake news”—, onde buscar informação de qualidade, apurada com método e rigor? Nos veículos profissionais de mídia, como jornais, TVs, rádios e sites de notícias. Foi o que confirmaram duas pesquisas feitas em março de 2020.

Realizado com 10 mil pessoas em dez países, incluindo o Brasil, o levantamento da Edelman mostrou que 59% dos brasileiros (64% no mundo) buscam informações confiáveis sobre a pandemia nos meios de comunicação tradicionais. Já a pesquisa Datafolha, que ouviu 1.558 pessoas no país, chegou à conclusão semelhante: 61% dos entrevistados confiam nos programas jornalísticos de TV; 56%, em jornais; 50%, em rádio; e 38%, em sites de notícias. Já conteúdos que circulam por plataformas como WhatsApp e Facebook só foram apontadas como confiáveis por 12% dos entrevistados.

O presidente Jair Bolsonaro mostra Primeira Página da Folha com manchete sobre troca na Superintendência da Polícia do Rio de Janeiro - Pedro Ladeira - 5.mai.20/Folhapress

Esse é o lado positivo da pandemia para a imprensa. E o negativo? É o agravamento da crise sofrida pelos veículos de mídia, cujo modelo de negócios tradicional vem fazendo água desde o surgimento da internet, na segunda metade dos anos 1990. Com a queda na receita de publicidade, os meios têm tentado diversificar as fontes de renda, como cobrar por assinaturas digitais e fazer conteúdo customizado para anunciantes. Mas não tem sido suficiente para segurar os empregos nas Redações, que têm encolhido ano a ano.

Com a pandemia, o que se viu no mundo e no Brasil foram propostas de redução de jornada e salários e demissões. Apoiados na MP 936, que criou o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, com medidas trabalhistas alternativas durante a crise da Covid-19, veículos têm feito acordo ou demitido funcionários. Sobrecarregados pela cobertura intensa e pelos riscos à saúde, nem todos os jornalistas têm colhido os louros do reconhecimento público de seu trabalho.

Há ainda um segundo aspecto negativo, que se contrapõe ao reconhecimento conquistado desde o início da crise sanitária mundial. É o processo de deslegitimar a imprensa, o jornalismo e os jornalistas. Quando autoridades públicas, como o presidente Jair Bolsonaro, e militantes políticos radicais investem contra a mídia, desqualificando o seu trabalho de informar a sociedade, não fazem mais do que atacar o mensageiro. Mas toda ação gera uma reação —ou pelo menos deveria. Cansados de ver seus profissionais agredidos verbalmente no cercadinho diante do Palácio do Alvorada por Bolsonaro e apoiadores, veículos tradicionais, como Folha e Grupo Globo, tomaram uma decisão importante no dia 25 de maio: retiraram os profissionais do local até que seja garantida a sua segurança.

Pior quando os ataques descem ao nível pessoal, como mostram dados coletados pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo). Em 2019, houve no Brasil 59 registros de discurso estigmatizante feitos por agentes políticos e públicos contra jornalistas; em 2020, foram 39 até agora. Os casos de assédio virtual foram 30 em 2019 e chegam a 20 neste ano. Desde a chegada da pandemia, a Abraji registrou 24 violações à liberdade de imprensa entre 1º de março e 21 de abril.

Entre as jornalistas mulheres, a situação é ainda mais grave, pois o assédio assume contornos machistas e misóginos, como mostram os casos recentes de Patrícia Campos Mello e Vera Magalhães, entre tantos outros.

Apesar do cenário desalentador, o jornalismo vive e sobreviverá à pandemia. Seu papel de fiscalizar o Estado e os Poderes seguirá, pois é vital a toda democracia. Ideal seria que a imprensa e seus profissionais fossem respeitados e tivessem um ambiente seguro para trabalhar, garantido pelo Estado. Aí, sim, se poderia comemorar o Dia da Imprensa em sua plenitude.

Cristina Zahar

Secretária-executiva da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji)

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