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Eduardo Zilberman e Dejanir Silva

O governo deveria emitir mais moeda para enfrentar a crise econômica? NÃO

Já basta a recessão que se avizinha, não precisamos de uma crise de confiança

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Eduardo Zilberman Dejanir Silva

Para a travessia da crise, economistas de diversas vertentes têm insistido, corretamente, na necessidade de gastos para proteger vidas, assegurar renda aos mais vulneráveis, manter os empregos e evitar uma falência generalizada das empresas. É preciso gastar.

Há propostas circulando para que se financie este esforço fiscal com emissão de moeda. Muitas propostas não são claras no que se entende por moeda e a operação que viabilizaria esse financiamento.

Impressão de cédulas na Casa da Moeda do Brasil (CMB), no Rio de Janeiro - Fernando Frazão - 24.jul.12/Folhapress

Moeda, na sua definição mais restrita, é composta por papel-moeda (e moeda metálica) em circulação e, em sua maior parte, por reservas bancárias, que são depósitos de instituições financeiras no Banco Central (BC), ou seja, dívida do BC com essas instituições.

No regime de metas para a inflação, adotado com sucesso no Brasil, emissões e retiradas de moeda são destinadas à manutenção da taxa básica de juros, instrumento usado para o controle da inflação, perto do valor determinado pelo Comitê de Política Monetária.

O financiamento via emissão de moeda, portanto, exigiria que o BC retirasse a liquidez adicional gerada ao comprar os títulos emitidos pelo Tesouro Nacional para arcar com os gastos fiscais durante a crise. Isso requer endividamento do BC a juros de mercado através das chamadas operações compromissadas.

A restrição orçamentária é implacável. Ao fim desta operação, o Tesouro “deve” ao Banco Central, que deve à sociedade. Como ambos fazem parte do mesmo governo, a dívida pública aumenta.

As restrições de endividamento que se aplicam ao Tesouro na emissão de títulos também se aplicam ao BC na criação de moeda. Aumento da dívida pública requer inevitáveis sacrifícios a enfrentar no futuro, seja por corte de gastos ou por elevação de carga tributária (mesmo que temporários).

Qualquer proposta que fuja disso pressupõe que a restrição orçamentária será equalizada com inflação alta, repressão financeira e/ou repúdio da dívida (em sua grande parte nas mãos de brasileiros) mais à frente. E, esse filme, a gente já viu. O potencial de estrago é enorme.

Entretanto, não se trata apenas da inexorabilidade da restrição orçamentária governamental, mas também das interações entre as autoridades fiscais e o BC.

Historicamente, em determinadas situações fiscais adversas, a relação entre o Tesouro e o Banco Central foi conflituosa, com o Tesouro recorrendo sistematicamente ao BC para que este emita moeda para financiar os gastos fiscais.

No regime de metas, o que, de fato, permite ao BC controlar a inflação é justamente o compromisso de que a política fiscal será conduzida de forma responsável, preservando a autonomia do BC. Este compromisso, entretanto, é tão frágil politicamente que precisou ser imposto por lei.

A situação fiscal corrente bastante frágil, assim como o risco substancial de que o mundo político desvirtue as medidas fiscais supostamente temporárias de combate a crise, já seriam o suficiente para que se questione esse compromisso.

A narrativa adequada ao momento deveria reforçar o compromisso com a responsabilidade fiscal após a crise da Covid-19. O flerte com a emissão de moeda para financiar os necessários gastos do governo vai na direção oposta.

Já bastam a crise na saúde e a recessão brutal que se avizinha, não precisamos e uma crise de confiança adicional.

Eduardo Zilberman

Professor associado do Departamento de Economia da PUC-Rio

Dejanir Silva

Professor do Departamento de Finanças da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign (EUA)

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