O acesso à gravação da reunião ministerial de 22 de abril foi muito elucidativo sobre o funcionamento e a gestão do governo e sobre a relação do presidente com seus ministros. O que se esperaria de uma reunião ministerial é que se fizesse uma avaliação geral da situação do país, de cada ministério, e o encaminhamento de propostas.
Não se viu nada disso. No meio da maior crise sanitária e econômica do país, o ministro da Economia fez apenas considerações genéricas e ideológicas sobre um suposto Plano Marshall, mostrou preocupação com a reeleição do presidente e advogou pela privatização do Banco do Brasil. O recém-chegado e já ex-ministro da Saúde fez em cinco minutos um relato superficial de suas ideias.
Não houve debates, propostas ou encaminhamentos sobre medidas para amenizar os impactos econômicos e sanitários na população. A não ser do ministro do Meio Ambiente, o antiambientalista Ricardo Salles, que sugeriu aproveitar a distração da população e da mídia com a pandemia para fazer passar medidas visando desmontar os sistemas de controle e fiscalização ambientais.
O que me impressionou foi a total subserviência dos ministros, competindo para ser quem conseguisse mais agradar e puxar o saco do presidente. Todos procurando falar e expressar aquilo que mais pudesse agradar ao chefe. Nenhuma sugestão do tipo “presidente, vamos fazer um debate sobre a pandemia que está matando e desempregando milhares de brasileiros?”.
No meio da reunião, Bolsonaro ameaça: "Perde o ministério quem for elogiado pela Folha ou pelo Globo". Os ministros, que parecem com tanto medo de desagradar ao presidente e perder o cargo, deveriam, portanto, evitar manchetes elogiosas da Folha ou do Globo.
O ministro do Meio Ambiente deveria evitar uma manchete tipo “Ações bem-sucedidas do Ministério do Meio Ambiente derrubam os índices de desmatamento no Brasil". O da Justiça: "Medidas exitosas do Ministério da Justiça acabam com a superlotação nos presídios brasileiros" ou "Ações bem coordenadas do ministério acabam com a milícia no Rio de Janeiro e conseguem desarmar organizações do crime organizado pelo Brasil".
O da Economia: "No meio da pandemia e sem colocar em risco a saúde da população, o Ministério da Economia consegue promover a retomada das atividades econômicas e baixar significativamente o desemprego" ou "Escolha acertada e justa: no país mais desigual do mundo, o Ministério da Economia apresenta uma proposta de reforma tributária para reduzir significativamente as desigualdades".
O da Educação: "Programas exitosos fazem o Brasil melhorar significativamente todos os indicadores da educação". O da Saúde: "Programas do Ministério da Saúde fazem do Brasil referência mundial de combate à pandemia".
O dos Direitos Humanos: "Programas do Ministério dos Direitos Humanos no combate à homofobia recebem elogios de organismos e organizações nacionais e internacionais".
O da Ciência e Tecnologia: "Como resultado de programas do ministério da Ciência e Tecnologia, o Brasil tem 2 cientistas ganhadores do Prêmio Nobel". O do Desenvolvimento Regional: " Programas exitosos do Ministério do Desenvolvimento Regional reduzem pela metade o déficit do saneamento básico no Brasil".
E o das Relações Exteriores: " Brasil ganha admiração internacional por suas intervenções nos organismos e espaços internacionais na promoção da paz, da democracia, da preservação ambiental e dos direitos humanos".
Listei apenas alguns exemplos, mas cada ministro, por estar com tanto medo de desagradar o presidente e perder o cargo, poderia elaborar, se já não o está fazendo, as medidas que deveria empreender para não correr o risco de ser elogiado pela Folha e pelo O Globo e ser demitido.
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