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Rodrigo Sánchez Rios

Respeitar as instituições e proteger a democracia

Defesa de Moro quer registro completo da reunião

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Rodrigo Sánchez Rios

A retomada democrática, iniciada em 1985, foi responsável pelos avanços do Estado brasileiro em todas as suas dimensões —econômica, social, política, jurídica, cultural etc. Um dos pilares dessa transformação para melhor é o conceito republicano de “instituição de Estado”. O significado dessa expressão é que os órgãos vinculados aos Três Poderes, em todos os níveis da administração, funcionam em prol do interesse público e da sociedade brasileira, e não das vontades, dos interesses e dos projetos dos ocupantes momentâneos dos cargos públicos.

A grande discussão do inquérito 4.831, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) sob relatoria do ministro decano, Celso de Mello, é a necessidade de proteção às instituições da República. No caso concreto, o ex-ministro Sergio Moro apresentou as condutas indevidas adotadas pelo presidente da República no sentido de tentar interferir na Polícia Federal para atingir propósitos ainda não totalmente esclarecidos, mas que não coadunam com o interesse legítimo do Estado.

O ex-ministro da Justiça Sergio Moro - Pedro Ladeira - 24.abr.20/Folhapress

Essa defesa institucional não deve ser exigida apenas para a Polícia Federal. Os órgãos de Estado precisam gozar, cada qual com suas especificidades constitucionais, de autonomia e independência técnica para cumprir suas missões junto à sociedade, dentro dos limites que a lei impõe a cada um. Neste momento de crise econômica e sanitária, por exemplo, os ocupantes do poder precisam respeitar a independência dos especialistas técnicos, que contribuem com as políticas públicas capazes de salvar vidas.

A importância do debate possibilitado pelo inquérito 4.831 abrange ainda a relação entre as condições com que os cidadãos podem confrontar o Estado e contestar as tentativas de ingerência indevida nas instituições da República por parte dos governantes. Surpreende que, em plena vigência do mais longevo período democrático da história nacional, o chefe do Poder Executivo tente se valer de sua posição, sendo representado pela Advocacia-Geral da União (AGU), para se apresentar em situação de vantagem perante a Justiça.

Enquanto a decisão do ministro Celso de Mello foi clara, no sentido de que a gravação da reunião ministerial de 22 de abril deveria ser encaminhada para o exame pericial oficial da Polícia Federal e que as partes deveriam ter acesso a apenas assistir ao vídeo, em ato único de exibição, o presidente demonstrou dispor de cópia e apresentou ao STF degravação extraoficial de trechos do vídeo. Enquanto isso, a defesa de Moro respeita a decisão do ministro, como é esperado e é o normal em uma democracia.

Fica em debate ainda o acesso da sociedade aos registros da reunião entre o presidente e seus ministros para esclarecer temas de interesse público ligados ao plano Pró-Brasil. O encontro não teve nenhum conteúdo que, caso divulgado, ameace a segurança nacional. Mas contém declarações constrangedoras para o governo, que não justificam a imposição de sigilo, e também as provas de que são verdadeiras todas as declarações do ex-ministro Sergio Moro sobre o comportamento e as intenções reprováveis do presidente da República para com a Polícia Federal. A defesa do ex-ministro pleiteia o levantamento integral do sigilo sobre o registro da reunião.

No cenário de crise em que se encontra o Brasil, serve de feliz alento o fato de que arroubos autoritários têm sido rejeitados pelo correto funcionamento do sistema de freios e contrapesos e da responsabilidade institucional dos Poderes.

No caso dos inquéritos penais, o STF tem prestado grande contribuição à evolução do entendimento sobre a investigação policial em fase de persecução penal. Devido à atuação da Suprema Corte tem-se abandonado a mentalidade vigente no passado, segundo a qual o Estado seria implacável contra o cidadão.

Enfim, o inquérito 4.831 trata de questões fundamentais para a democracia brasileira, como a proteção das instituições do Estado frente ao arbítrio do governante do momento, o direito à informação, o controle das condutas do governante pelos governados via submissão ao escrutínio público e o resguardo de um governo de leis e do império do direito.

Rodrigo Sánchez Rios

Advogado criminalista e professor de direito penal da PUC-PR, representa o ex-ministro Sergio Moro

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