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Erika Hilton

A tentativa sistemática de nos destruir

Projeto de lei prevê sexo biológico como definidor da condição de gênero

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Eu não sei, você não sabe, ninguém sabe o que nos reserva o futuro pós-pandemia. Mas o fato é que precisamos começar a planejar, a construir, a sonhar. Mais do que uma crise sanitária —talvez a maior que já vivenciamos—, a pandemia de Covid-19 evidenciou o que algumas pessoas já sabiam há muito tempo: do jeito que está não dá para continuar.

Dois caminhos se desvelam, diametralmente opostos. Por um lado, a nova realidade, com suas limitações, despertou o espírito crítico e atitudes conectadas com a solidariedade, que abalaram os muros da indiferença dentro dos quais muito ergueram condomínios de luxo.

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A ativista e deputada estadual paulista Erika Hilton, que compõe o mandato coletivo da Bancada Ativista do PSOL - Karime Xavier - 12.mar.19/Folhapress

Vemos diariamente pessoas saindo de casa, mesmo com o risco do contágio, para entregar cestas básicas, costurar máscaras, distribuir produtos de limpeza. Mas, por outro, existem pessoas (não sei se estou sendo excessivamente generosa em classificá-las como seres humanos) que enxergam nesse momento de dor e sofrimento para muitas famílias uma oportunidade para produzir ainda mais miséria e marginalização. É o caso do projeto de lei 2.578/2020, protocolado no dia 12 de maio na Câmara dos Deputados, que determina o sexo biológico como definidor da condição de gênero no país. Caso esse PL seja colocado em votação e aprovado, a população transvestigênere (pessoas trans, travestis e não binárias) terá, mais uma vez, suas identidades negadas e suas existências não reconhecidas pelo Estado brasileiro.

Pergunto: como isso pode contribuir com o combate ao novo coronavírus e às crises econômica, política e social, que deveríamos estar dedicando todos os nossos esforços? Quais são as reais preocupações e intenções de alguém que se aproveita de um momento como esse para pautar uma política que não objetive o bem da coletividade diante de um cenário tão grave?

Exemplos assim me fazem pensar que talvez a humanidade não esteja se saindo bem no teste. Uma investida covarde contra uma população que já vive em situação de extrema vulnerabilidade, que enfrenta cotidianamente o preconceito, o abandono familiar (13 anos é a idade, em média, que somos expulsas de casa), a evasão escolar, a exclusão do mercado de trabalho (restando a prostituição compulsória e violenta como única alternativa para 90% das mulheres trans e travestis) e a violência (o Brasil é o país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo, sendo que 82% delas são negras. Sim, somos um país transfóbico e racista).

O que me conforta é saber que nós estamos cuidando de nós mesmas. A situação de risco social agravada pela pandemia motivou uma resposta rápida e autônoma de diversos ativistas e coletivos LGBTs por todo o país. Mobilizamo-nos para que nenhuma de nós morresse de fome nem de doença (falo da Covid-19, mas também de todos os outros males —inclusive sociais— que nos matam desde sempre).

Em São Paulo, articulamos a campanha #FortaleçaUmaPessoaTrans, que têm garantido alimento, produtos de higiene pessoal, medicamentos e até mesmo pagamento de aluguéis. Não desistiremos de nossas vidas. Resistiremos. E, quando tudo isso passar, estaremos ainda mais fortes.

Erika Hilton

Vereadora (PSOL-SP) e presidenta da Comissão Extraordinária de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara Municipal de São Paulo

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