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Erika Breyer e Leonardo V. P. Freire

Atividades econômicas em terras indígenas: o que diz o projeto do governo?

Proposta harmoniza interesses e garantias constitucionais que podem ser convergentes

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Erika Breyer e Leonardo V. P. Freire

Previamente à pandemia de Covid-19, a Presidência da República encaminhou ao Congresso Nacional projeto de lei propondo a regulamentação do exercício de atividades econômicas em terras indígenas. Tema de grande repercussão, juridicamente é inegável que a Constituição Federal permite o exercício de atividades, por não índios, em terras indígenas —observados certos requisitos e salvaguardas. Mas, afinal, o que diz o PL?

A atual proposta visa regulamentar a pesquisa e lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos, bem como o aproveitamento de recursos hidrelétricos e suas atividades associadas em terras indígenas. Outras atividades por não índios, tais como agropecuária, a princípio, estão excluídas da proposta —haja vista dependerem de lei complementar.

O presidente Jair Bolsonaro conversa com índios apoiadores de seu governo após expor seu projeto de liberação de atividade de mineração em terras indígenas - Pedro Ladeira - 18.fev.20/Folhapress

Delimitado o escopo de regulamentação, em linhas gerais, o texto se aproxima dos requisitos exigidos pela Constituição para o exercício legítimo de tais atividades em terras indígenas, quais sejam: 1 - oitiva e indenização das comunidades indígenas afetadas; 2 - participação de tais comunidades no resultado das atividades; e 3 - exigência de autorização pelo Congresso, nos casos em que a lei especifica.

Entre tais requisitos, o processo de oitiva é uma das principais fontes de conflitos indígenas no país, justamente por inexistir lei formal e materialmente hábil a estabelecer, de forma clara, os procedimentos e critérios necessários ao seu adequado cumprimento, tais como momento, modo, local, destinatários e grau de vinculação.

A questão ganha ressonância na medida em que, como signatário da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais (Convenção OIT nº 169), o Brasil incorporou o "princípio da consulta livre, prévia e informada", pelo qual a oitiva deve ser feita de forma qualificada, segundo a boa-fé e transparência, visando "instruir" a formação de uma manifestação livre pelas comunidades consultadas e "buscar" (e não necessariamente obter) um acordo acerca do tema proposto.

Tema de habitual controvérsia se deve à suposta necessidade de consentimento da comunidade indígena afetada em relação à atividade consultada. Neste ponto, o projeto exige o consentimento indígena apenas para os casos de garimpo. Isso não significa que, para demais atividades, poderá o Estado conceder ou autorizar a exploração de recursos e potenciais, desconsiderando a manifestação dada em oitiva. Embora não vinculante, a manifestação indígena deve ser considerada na decisão estatal, sob pena de arbitrariedade.

Reforçando o caráter participativo que deve guiar o processo para implantação de atividades em terras indígenas, o PL prevê que a autorização do CN será emitida, mediante análise de elementos mínimos que deverão instruir sua deliberação pelo Poder Legislativo. Caso aprovada, a autorização será emitida via decreto legislativo permitindo o Poder Executivo dar prosseguimento com o planejamento da atividade.

Em outro ponto, o PL ratificou a Convenção OIT nº 169 para esclarecer que a participação (financeira) das comunidades indígenas no resultado da lavra (típica da mineração), assim originalmente previsto na Constituição, também se estende ao resultado de demais atividades desenvolvidas em terras indígenas, prevendo inclusive a origem e o percentual de tais receitas, a serem arcadas pelo empreendedor. Tudo sem prejuízo da indenização indígena.

Há pontos a aprimorar. A pandemia de Covid-19 nos trouxe muitas reflexões, em especial sobre os modelos de produção antes estabelecidos. Atualmente o mundo debate uma retomada pautada em uma transição para uma economia ambientalmente sustentável.

Do ponto de visa jurídico, o projeto de lei representa um avanço na construção de soluções aptas a harmonizar interesses e garantias constitucionais que, em verdade, podem ser convergentes. Outras nações signatárias da Convenção OIT nº 169 já enfrentaram o atual desafio e o responderam de modo criativo, de acordo com suas particularidades jurídico-institucionais. Assim devemos caminhar. O legítimo crescimento econômico perpassa o desenvolvimento sustentável.

Erika Breyer e Leonardo V. P. Freire

Advogados, são, respectivamente, mestre em desenvolvimento sustentável e energia pela University College London (UCL) e especialista em Estado e regulação pela FGV e associado a Tauil & Chequer Advogados

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