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Eliana Sousa Silva e Gabriel Sampaio

Contra violência policial, favelas processam estado do Rio

STF precisa avaliar a constitucionalidade da política de segurança pública do Rio

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Nesta sexta-feira (26), o pleno do STF (Supremo Tribunal Federal) vai avaliar medida cautelar concedida pelo ministro Edson Fachin que suspende operações policiais nas favelas do estado do Rio de Janeiro durante a emergência sanitária causada pela pandemia da Covid-19.

Em resposta a uma série de ações policiais contra as periferias do estado, inclusive a que matou o menino João Pedro, de apenas 14 anos, dentro de sua própria casa, o PSB (Partido Socialista Brasileiro), em conjunto com a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, além de Educafro, Justiça Global, Redes da Maré, Conectas Direitos Humanos, Movimento Negro Unificado e Iser ingressaram com um pedido ao STF para que tais ações fossem suspensas durante a pandemia.

João Pedro de Matos Pinto, 14, morto durante operação da Polícia Federal em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio - Twitter

O pedido foi realizado no contexto da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental)-635, que coloca em julgamento a política de segurança pública do Rio de Janeiro e as graves violações cometidas pelas ações policiais nas periferias do estado. A ação pede a construção de um plano de segurança com participação social e adoção de protocolos policiais que visem à proteção da vida e o respeito aos direitos fundamentais desta população.

Não é novidade que a população favelada e negra do estado do Rio enfrenta uma violação sistemática de seus direitos promovida pelas forças policiais. Sempre justificada pela narrativa da “guerra às drogas”, a violência contra os corpos negros toma a proporção de um genocídio. Vale lembrar que a polícia brasileira mata cinco vezes mais que a dos EUA e que, das mais de 6.200 pessoas mortas pela polícia em 2018 no Brasil, 75% eram negras, segundo o Anuário de Segurança Pública.

No contexto de pandemia, o racismo estrutural se acentua e as mortes causadas pela polícia do Rio de Janeiro alcançam números recordes —segundo o próprio Instituto de Segurança Pública do Estado chegaram a 177 mortes em abril—, afetando inclusive lares de famílias periféricas, invadidos sem ordem judicial. Casos como o de João Pedro refletem que tão grave quanto o risco causado pelo vírus é o risco de morte por confrontos armados no contexto de operações policiais.

Na última terça-feira (23), o relator da ADPF-635, ministro Fachin, admitiu formalmente a participação de diversos coletivos periféricos como "amicus curiae" na ação. São eles: Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial/Baixada Fluminense-RJ; Coletivo Papo Reto, do Complexo do Alemão; Coletivo Fala Akari, de Acari; Rede de Comunidades e Movimento contra a Violência; e movimento Mães de Manguinhos.

Entre os movimentos sociais e coletivos, esta ação apelidada de “Favelas pela Vida” é vista como histórica porque é a primeira vez que as favelas e as mães de vítimas da violência policial participam de um processo contra o estado do Rio no STF, pedindo uma política de segurança que garanta direitos e preserve a vida independentemente da cor da pele ou do local de moradia das pessoas. Espera-se que este julgamento seja paradigmático a todos os demais estados brasileiros, que igualmente aplicam políticas racistas e genocidas contra sua população negra e periférica.

É fundamental que a principal corte do país referende a cautelar que proibiu operações policiais durante a pandemia. Para além disso, é urgente que o STF retome o julgamento da ADPF 635, suspenso em abril por pedido de vistas do ministro Alexandre de Moraes, e avalie a constitucionalidade da política de segurança pública do Rio, impondo limites ao uso da força policial.

Eliana Sousa Silva

Educadora e diretora da Redes da Maré, no Rio de Janeiro

Gabriel Sampaio

Advogado, é diretor de litigância e incidência da Conectas Direitos Humanos

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