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Domingos Leonelli

Das Diretas ao impeachment já!

Não impedirão a luta do povo pela democracia

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Domingos Leonelli

Claro que a história não se repete, senão como farsa ou tragédia. Mas os momentos históricos trazem lições nas suas próprias dessemelhanças ou representam uma certa continuidade que vale a pena ser percebida.

A campanha das Diretas Já foi a maior mobilização popular do Brasil no século 20. Realizada praticamente em todo o território nacional, a partir de milhares de manifestações, sem que uma gota de sangue fosse derramada. Sem que uma vidraça fosse quebrada. Isso irritava ainda mais os militares e civis do regime. As agressões verbais e físicas vinham da parte dos próprios generais da ditadura, que classificavam a campanha como baderna e sitiaram Brasília militarmente dias antes da votação da emenda Dante de Oliveira. Na boa tradição fascista, o general Newton Cruz, além de cercar o Congresso Nacional, promovia uma verdadeira arruaça. Distribuía chicotadas do alto do seu cavalo branco de "Napoleão de hospício", ordenava golpes de cassetete e bombas de gás contra o buzinaço das Diretas. Ridículo e histérico, bradava: "Buzina agora que eu quero ver, seu filho da p...". Mas o buzinaço não parou. E "Nini", como era chamado, foi parar no lixo da história.

Comício pelas Diretas Já! na praça da Sé, região central de São Paulo
Comício pelas Diretas Já! na praça da Sé, região central de São Paulo - Jorge Araújo - 16.abr.84/Folhapress

A maior semelhança das Diretas Já e a campanha do "impeachment já" é uma contraposição à lógica tradicional ou a uma certa racionalidade politica. A primeira teve início como uma proposta de um pequeno grupo de deputados do então PMDB para que se fizesse uma campanha em torno da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) apresentada pelo deputado Dante de Oliveira.

O líder da bancada federal do partido, o corajoso deputado Freitas Nobre, autorizou a formação de uma comissão que formulou um pequeno plano de marketing, depois aprovado pela bancada e levado à direção nacional do PMDB, presidido por Ulysses Guimarães —que, com audácia e habilidade, ganharia os governadores e venceria as resistências "racionais" de alguns dos principais líderes da época. Os argumentos são parecidos aos de hoje em relação ao "impeachment já"; principalmente o de que não teríamos os votos necessários no Congresso.

Mas a verdade é que, ao longo dos "15 meses que abalaram a ditadura", subtítulo do livro que eu e Dante de Oliveira lançamos em 2004, a campanha das Diretas Já combinou, talvez como nunca na história, uma intensa mobilização popular com uma grande atividade parlamentar e política que culminou com uma votação espetacular no dia 26 de abril de 1984: 298 votos. Faltaram apenas 22 para que a emenda fosse aprovada. O cerco militar a Brasília, o erro de não se fazer uma greve geral, a chantagem explícita e a corrupção conseguiram os 65 votos contra as Diretas Já e as abstenções necessárias para a derrota da emenda Dante de Oliveira. A emenda derrotada no Parlamento seria, entretanto, vitoriosa na história. Poucos meses depois, a ditadura foi definitivamente superada com a vitória de Tancredo Neves em eleição indireta no Colégio Eleitoral, após uma verdadeira campanha popular sob a bandeira de "Tancredo Já", numa clara referência às Diretas Já.

Hoje, como ontem, as forças democráticas não têm maioria de votos para o "impeachment já". Em compensação, em vez de uma só PEC, temos mais de 30 pedidos de impeachment. Em 1984, tínhamos um general que preferia o "cheiro dos cavalos ao cheiro do povo". Hoje, temos um capitão afastado por mau comportamento do Exército que, diante da morte de milhares de brasileiros, pergunta: "E daí?".

Temos a emergência de um grupo de brasileiros que, embora francamente minoritário, é galvanizado por ideias racistas, misóginas, homofóbicas e de ódio à democracia —neste caso, mais pelas suas virtudes do que pelos seus defeitos. E temos, também, um novo campo de batalha político, inimaginável em 1983 e 1984, que é a comunicação das redes sociais pela internet.

Mas algo me diz que nem a pandemia de Covid-19. nem o vírus do fascismo que contaminou pouco mais de 20% da população brasileira —e nem o envolvimento de alguns militares no governo de Jair Bolsonaro--, impedirão a luta de mais de 70% do povo brasileiro pela democracia, traduzida na palavra de ordem "impeachment já!"

Domingos Leonelli

Ex-deputado federal, é coautor do livro ‘Diretas Já, 15 Meses que Abalaram a Ditadura’ (ed. Record), escrito com Dante de Oliveira, e coordenador do site www.socialismocriativo.com.br

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