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Devaneio financeiro

Em meio a crises, real e ações têm surto de alta com base em premissas frágeis

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Painel eletrônico da Bolsa, em São Paulo - Xinhua

Não é novidade que mercados financeiros mostrem tendências destoantes da chamada economia real, por vezes em momentos dramáticos de crise. Ainda assim, surpreende a aguda valorização recente do real e da Bolsa de Valores, dadas a recessão profunda e a grave instabilidade política do país.

A mudança foi súbita. Neste ano, até meados de maio, a cotação do dólar chegou a acumular alta de 46% e teve recorde nominal de R$ 5,88. Desde então, o movimento se inverteu, e a moeda americana fechou nesta quinta (4) a R$ 5,13. Juros locais recuaram, e a Bovespa subiu 10% em duas semanas.

Mais do que alguma melhora da avaliação das perspectivas do Brasil, são fatores externos que parecem exercer influência primordial no fenômeno. Ao longo de maio teve início a reabertura gradual da economia na Europa e nos Estados Unidos, que mostram sinais consistentes de contenção da pandemia.

Depois do colapso do segundo trimestre, espera-se nessas regiões rápida recuperação da atividade na segunda metade do ano, com ajuda dos gigantescos estímulos monetários e fiscais adotados pelos principais países.

Nas projeções do Fundo Monetário Internacional, a economia mundial retomaria o patamar anterior à crise no final de 2021 ou um pouco adiante, com forte desempenho da China —isso se não houver uma segunda onda de contágio, até aqui não observada.

Mesmo considerando incertezas e riscos nesse cenário otimista, o relaxamento das restrições físicas certamente fortalecerá a demanda e ajudará a ancorar os preços das matérias-primas. Nas últimas semanas houve expressiva recuperação de preços de petróleo, minério de ferro e metais industriais.

No âmbito doméstico, a tensão política e institucional não impediu que os ativos brasileiros também se beneficiassem. O entusiasmo da finança aparenta até ter ganho impulso adicional com a divulgação do repulsivo vídeo da reunião ministerial de 22 de abril.

Entre operadores, grassa a leitura de que a crise política teria sido amainada —e que a aproximação do presidente Jair Bolsonaro com parlamentares do centrão favorecerá a governabilidade.

Tal racionalização não leva em conta, ao que parece, a ameaça que esse arranjo precário representa para a agenda de reformas econômicas e ajuste orçamentário —sem falar na inevitável deterioração adicional das contas públicas durante o enfrentamento da pandemia e seus efeitos.

O otimismo se assenta, pois, em bases frágeis. Na indústria e no comércio, na renda e no emprego, as más notícias tendem a persistir.

editoriais@grupofolha.com.br

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