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Falange da confusão

Aparente recuo na sonegação de dados sobre a Covid-19 não elimina desconfianças

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Sepultadores enterram vitima de Covid-19 no cemitério São Luiz, na zona sul de São Paulo - Lalo de Almeida/Folhapress

Até a tarde desta segunda (8), o público não sabia qual a informação oficial correta sobre mortes pelo coronavírus no dia anterior: 1.382 ou 525? Ambas as cifras haviam sido divulgadas pelo governo Jair Bolsonaro em curto intervalo.

Transcorreram mais 12 horas para que o Ministério da Saúde enfim esclarecesse que estava errada a primeira, muito alta para um domingo, quando se acumulam exames pendentes. A segunda seria, supostamente, a verdadeira.

A trapalhada aumentou a desconfiança por se somar ao novo e peculiar conceito adotado pela pasta a mando do Planalto: divulgar apenas as mortes efetivamente ocorridas no dia precedente.

A manobra do ministério expurgado de profissionais de saúde e loteado por militares minimiza o dado mais chocante da epidemia. Oculta os falecimentos causados pelo Sars-CoV-2 em datas anteriores e com diagnósticos confirmados nas últimas 24 horas.

A prestidigitação ideada pelo consultor Carlos Wizard e comandada pelo ministro interino, general Eduardo Pazuello, coroava a série de tentativas frustradas de mascarar a dimensão da Covid-19.

A divulgação de casos e mortes foi de início atrasada para tarde da noite, a fim de escamotear a notícia sinistra em horário nobre. O painel com informações saiu do ar por um dia; ao retornar, não trazia totais de casos e óbitos nem acessos para bases de dados detalhados.

A investida descarada para manipular números desencadeou pronta e enérgica reação. Vários grupos montaram sistemas transparentes para totalizar casos e mortes, a começar por secretários de Saúde de estados e municípios. Wizard sumiu de cena mais depressa do que entrou, refugando o posto de secretário no ministério que nem chegou a assumir.

Mesmo com o aparente recuo do governo federal, a confusão vertiginosa que armou produziu, paradoxalmente, um efeito salutar: aumenta a vigilância sobre as inconfiáveis estatísticas oficiais da epidemia no Brasil. Veículos de imprensa (Folha, O Estado de S. Paulo, O Globo, Extra, G1 e UOL), por exemplo, se uniram para compilar seu próprio levantamento diário.

Tais informações, cruciais para administrar a crise, estavam já contaminadas por imprecisão. Epidemiologistas estimam que mortes por Covid-19 sejam pelo menos o dobro do cômputo governamental.

Em lugar de combater o verdadeiro inimigo, um vírus letal e mal conhecido, militares postados no front da pior emergência sanitária em décadas aceitam a missão desonrosa de ocultar suas vítimas.

editoriais@grupofolha.com.br

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