Erguer monumentos que enaltecem líderes políticos e personagens históricos é uma prática antiga no mundo ocidental. As raízes desse costume surgiram ainda na Antiguidade, sendo um exemplo a estátua equestre do imperador romano Marco Aurélio, única remanescente em bronze que restou dos muitos monumentos da cidade de Roma.
Durante o Renascimento, a prática foi retomada com vigor a partir das cidades italianas, espalhando-se pelas monarquias vizinhas e chegando mesmo à América
Durante o século 19, a disseminação do poder das burguesias e das construções memoriais românticas expandiu enormemente a quantidade de personagens a serem homenageadas.
Os monumentos foram então implantados aos milhares, em bronze e mármore, numa ação regularmente imposta às populações urbanas por lideranças governamentais, que utilizavam as novas avenidas, praças e parques para celebrar heróis —quase sempre homens— que deveriam definir a identidade das jovens nações republicanas ou monárquico-parlamentaristas.
O uso de monumentos escultóricos atingiu, então, sua escala máxima de disseminação no Ocidente, processo que chegou ao Brasil ainda em meados do século 19, quando se inaugurou a estátua equestre de Pedro 1º no Rio de Janeiro, em 1862.
A função celebrativa e rememorativa desses monumentos, dedicados a líderes muitas vezes controversos e representativos de parcelas diminutas da população, atraiu com frequência, e compreensivelmente, a fúria popular.
As diversas estátuas equestres dos reis Bourbons foram todas destruídas durante a Revolução Francesa, assim como também caiu em Nova York aquela que homenageava o rei Jorge 3º, num dos mais famosos episódios do processo de independência das 13 colônias inglesas na América.
Os numerosos cemitérios de estátuas dedicadas a Lênin, Stálin e Marx nas antigas repúblicas soviéticas são outro testemunho dessa fúria, que se prolongou ao Iraque pós-Saddam Hussein e, agora, às cidades em que monumentos a personagens ligados ao tráfico de escravos ou ao racismo são atacados ou destruídos.
Rememorar é a razão por que tais evocações em metal e pedra foram erguidas. Esquecer pode ser a saída para sua sobrevivência polêmica e incômoda?
Nossas cidades têm sido palco de diversas contestações a personagens cada vez mais controversos, como os bandeirantes paulistas. A memória de Borba Gato, no bairro de Santo Amaro, em São Paulo, foi julgada publicamente em 2008, numa intervenção que contestava o sertanista e também sua estátua.
Já o célebre Monumento às Bandeiras, no parque Ibirapuera, vem sendo alvo de pichações e banhos de tinta com certa frequência, como a que ocorreu em 2013.
Destruir essas imagens ou remover seus fragmentos para museus eliminaria uma presença desafiadora, que pode e deve servir para discutir o perigoso poder das imagens e da mitificação de personagens históricos nas sociedades contemporâneas.
A cúpula Genbaku, em Hiroshima, os campos de concentração de Auschwitz e o cais carioca do Valongo são construções que permanecem como lembrança do que não se pode repetir e do que jamais pode ser esquecido.
Esculturas públicas —quase todas homenageando personagens que guardam em sua biografia dubiedades éticas— sugerem um igual desafio. Mantê-las é permitir uma chaga aberta, que pode provocar a consciência permanentemente.
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