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O erro do New York Times

Jornal presta desserviço à liberdade de expressão ante protestos contra artigo

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Sede do jornal The New York Times - Angela Weiss - 6.set.18/AFP

Um teste simples pode verificar se alguém leva a sério a liberdade de expressão. A pessoa estará aprovada se, diante de um artigo que defenda de maneira enfática as ideias que mais despreza, não se opuser à sua divulgação. Muitos, incluindo jornalistas, fracassam.

Foi o caso de leitores e parte dos profissionais do jornal The New York Times, que se revoltaram com a publicação, em 5 de junho, de um artigo de opinião assinado pelo senador republicano Tom Cotton, em que o parlamentar do Arkansas advogou uma resposta militar incisiva contra as manifestações antirracistas que se espalharam por várias cidades dos EUA.

Os protestos da equipe surtiram efeito. O editor da seção, James Bennet, deixou o cargo, e o jornal divulgou uma nota de retratação em que aponta falhas técnicas no artigo, critica seu tom excessivamente duro e considera equivocada a publicação. De acordo com o documento, houve falhas no processo de edição. O veículo não removeu o texto de seus arquivos.

As ideias defendidas pelo senador Cotton são horríveis —afrontam valores básicos de uma sociedade democrática e pacífica. Ainda assim, são apenas ideias.

A deplorável proposta de enviar militares das forças regulares para reprimir manifestantes já aparecera nas páginas do próprio New York Times, quando aventada pelo presidente Donald Trump.

Ao desenvolver o tema ao longo de vários parágrafos sem apresentar nenhum bom argumento para a intervenção, Cotton acaba revelando como era problemática a tese original. Assim, a publicação se encaixa perfeitamente nos cânones do livre debate e, dados os defeitos do texto, ainda oferece munição para os adversários.

Momentos de emoções à flor da pele não raro descambam para atos obscurantistas —veja-se a decisão da plataforma HBO Max de retirar de seu catálogo o filme “E o Vento Levou”, diante da onda de manifestações contra o racismo.

É triste que jornalistas, em particular, não compreendam o valor de publicar ideias que contrariem frontalmente as suas próprias.

Talvez haja aí um fator geracional. A maioria dos profissionais hoje em atuação se formou num período em que a liberdade de expressão jamais esteve ameaçada.

Não tem em sua memória coletiva, pois, quão difícil foi assegurar que todos tenham o direito de dizer o que pensam, qualquer que seja o conteúdo de tais pensamentos.

editoriais@grupofolha.com.br

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