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Projeto de czar

Putin deve ter êxito em manobra para aviltar mais a democracia russa

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O presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante pronunciamento na terça (30) sobre as reformas constitucionais
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante pronunciamento na terça (30) sobre as reformas constitucionais - Mikhail Klimentiév/AFP

Um dos homens mais influentes do ocaso do czarismo, o premiê Piotr Stolipin (1862-1911) era um árduo defensor da combinação entre brutalidade e modernidade.

“Na Rússia, reformas liberais só podem ser feitas se o regime endurecer primeiro, porque, para um russo, qualquer relaxamento representa fraqueza”, pontificou.

Com efeito, logrou-se uma atualização do regime imperial antes de sua derrocada, em 1917, às custas da aplicação das “gravatas de Stolipin”, apelido dado aos nós de muitas forcas dedicadas a dissidentes.

Vladimir Putin sempre foi visto como discípulo de tal pensamento —na versão século 21, é claro, ainda que haja acusações de assassinatos políticos em nome do Kremlin.

No poder desde 1999, quando foi ungido premiê, e presidente por quatro vezes desde 2000, o líder prometia a receita ao assumir os escombros da primeira década após o fim da União Soviética.

Não se pode negar a melhoria das condições de vida na Rússia, mas a modernização da economia ainda está muito aquém do desejável.

Sob Putin, o país recuperou musculatura geopolítica e militar. Mas há o lado sombrio. A Rússia não é uma ditadura, mas tampouco uma democracia no molde ocidental.

Liberdades civis são tuteladas pelo Estado; a imprensa independente vive à míngua. Oposição existe, mas não é viável nas urnas dada a fossilização do arcabouço político.

O presidente, cioso de sua imagem na elite que o apoia, adiciona pantomimas democráticas a cada movimento iliberal. A mais recente se encerra nesta quarta (1º), com o fim da votação popular de um pacote de mudanças constitucionais.

O referendo não seria necessário, mas pretende-se lustrar um conjunto de normas que tratam do controle do Judiciário até a definição exclusiva de casamento como a união entre homem e mulher.

Tudo dissimula o central: zerar a contagem passada de mandatos ao estabelecer que o presidente só poderá reeleger-se uma única vez. Putin, com a manobra, chegará a 2024 apto a disputar e, caso eleito, fazer o mesmo em 2030.

Salvo alguma grande surpresa de última hora, a medida passará com folga. Putin ganhará tempo para persistir na tentativa de convencer os russos de que é o homem forte preconizado por Stolipin.

As severas dificuldades econômicas russas e a crescente mobilização de jovens insatisfeitos com o país sugerem que a velha receita será posta à prova mais adiante.

editoriais@grupofolha.com.br

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