Em um livro de 2017, “Destinados à Guerra”, o historiador americano Graham Allison cunhou o termo “armadilha de Tucídides”.
Era uma referência ao grande cronista grego da Guerra do Peloponeso, no século 5 a.C., e sua visão de que o conflito se tornou inevitável quando a potência então estabelecida, Esparta, assistiu temerosa à ascensão de Atenas.
Allison estudou 16 embates análogos nos últimos 500 anos, e em 12 deles o resultado foi a guerra. A questão agora é o que acontecerá com os Estados Unidos e a China.
Apesar do sinal trocado, já que Esparta era autoritária, e Atenas, mais aberta, os papéis estão claros. Washington vê a ascendente China como uma ameaça.
Desde que se aproximaram, nos anos 1970, ambos lucraram com a interdependência de suas economias. Só que a percepção ocidental é que a ditadura comunista faz sombra à hegemonia pós-Guerra Fria das democracias liberais.
Não que o melhor exemplo esteja em casa: Donald Trump representa o farol para líderes autoritários do Brasil à Polônia. De todo modo, a prioridade americana está colocada, mesmo que o presidente seja ejetado em novembro.
A disputa comercial iniciada pelo republicano em 2017 avançou rumo a outros setores.
Só na semana passada, os EUA atacaram interesses do rival asiático na tecnologia do futuro, o 5G, com o banimento da chinesa Huawei no Reino Unido; na política, com novas sanções devido ao cerco a Hong Kong; na geoestratégia, com a condenação às pretensões de Pequim no mar do Sul da China.
Tal saraivada mereceu respostas apenas retóricas, mas analistas questionam a sabedoria de alienar a segunda maior economia do mundo, detentora da maior fatia de fluxo comercial internacional.
Os EUA sabem dos limites chineses nos campos militar e econômico. Pequim também não busca exportar seu modelo único de país.
Mas, ao adiantarem-se na disputa, os americanos colocam dilemas para o restante das nações, que acabam forçadas a escolher um lado.
Os britânicos, ao abdicar da independência que defendiam no 5G, foram as primeiras vítimas dessa armadilha subjacente àquela de Tucídides. O Brasil, sob o guarda-chuva geopolítico dos EUA e com a China como maior parceira comercial, é um dos próximos na fila.
Com um governo inepto e uma política externa que se choca com a realidade ao alinhar-se incondicionalmente a Trump, o desafio de manter equidistância é ainda maior. Cumpre buscar tal objetivo, sem sacrificar princípios e interesses.
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