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Boiada normativa

Governo aproveita pandemia para mudar leis ambientais, mas destruição é indisfarçável

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O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em seu gabinete
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em seu gabinete - Pedro Ladeira - 3.jun.20/Folhapress

Dentre as áreas do governo mais visadas pela pauta ideológica do bolsonarismo, foi sem dúvida no meio ambiente que se produziram estragos com mais método.

À diferença de nomes como Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) e Abraham Weintraub (ex-Educação), Ricardo Salles não é um neófito falastrão, um sectário ignorante ou um adepto de teses paranoicas.

Dispõe de discurso articulado, conhecimento da máquina pública, alguma experiência política e articulação com setores empresariais —atributos raros na administração de Jair Bolsonaro.

Essa distinção se fez notar com clareza no vídeo que registrou a fatídica e reunião ministerial de 22 de abril e se tornou conhecido com o escândalo da queda de Sergio Moro da pasta da Justiça.

Na gravação podem-se ver Weintraub a choramingar sobre a vida em Brasília e defender a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal; Damares a levantar teorias a respeito da contaminação criminosa de povos indígenas; Araújo a listar o Brasil na meia dúzia de países capazes de definir a nova ordem mundial pós-Covid-19.

Já Salles apresentou um plano objetivo, ainda que sinistro, para seu setor: aproveitar as atenções gerais voltadas à pandemia e avançar em reformas infralegais —que não dependem do Congresso— do controle ambiental que, em outras circunstâncias, despertariam reação contrária da opinião pública ou do Ministério Público.

“Ir passando a boiada”, nas palavras do ministro, não era bravata. Levantamento realizado pela Folha, em parceria com o Instituto Talanoa, aponta que 195 atos referentes à política ambiental foram publicados no Diário Oficial de março a maio, ante apenas 16 no período correspondente de 2019.

O episódio é ilustrativo de um governo que testa os limites de seu poder ao tocar uma agenda de aceitação minoritária na sociedade. O próprio Bolsonaro já abusou da edição de decretos presidenciais, alguns dos quais derrubados pelo Judiciário e até pelo Legislativo.

Mesmo em grau inferior ao ambicionado, ampliou-se dessa forma o acesso a armas de fogo, fecharam-se conselhos consultivos e esvaziou-se um órgão federal de prevenção e combate à tortura.

No caso do meio ambiente, são as consequências imediatas que ameaçam a estratégia do ministro. O afrouxamento normativo, amigável à ala retrógrada do agronegócio, doutrinas nacionalistas e a hostilidade ao conservacionismo resultaram em disparada do desmatamento, alarme global e pressão de investidores sobre o Planalto.

Impactos assim não se disfarçam em letras miúdas do Diário Oficial.

editoriais@grupofolha.com.br

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