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Chico Whitaker

Naturalizando o inaceitável?

Acordemos todos; já é quase tarde demais

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Chico Whitaker

Arquiteto e urbanista e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz

Estamos ocupados —de todas as formas que o isolamento deixa ao nosso alcance —na resistência à destruição em curso de instituições, leis, normas, serviços e direitos reconquistados depois do regime militar de 1964.

Ainda mais depois que o Ministro do Meio Ambiente —que vá logo embora, pede-se no Brasil e no exterior—declarou, com todas as letras, em reunião ministerial, que essa destruição, anunciada por Jair Bolsonaro diretamente em Washington quando iniciou seu desgoverno, segue agora uma estratégia: todos estão preocupados com a pandemia; é o bom momento para “passar a boiada”.

Todos os dias a internet me informa sobre o número de mortes, muitas evitáveis, do dia anterior. Evitáveis porque devidas ao não uso dos recursos destinados ao combate à Covid-19 e causadas pela confusão intencionalmente criada sobre como enfrentá-la. Mas tenho que passar imediatamente a cumprir tarefas em outras lutas sociais.

O arquiteto e urbanista Chico Whitaker em foto de 2003 - Juca Varella/Folhapress

Estaria me acostumando com a necropolítica do chefe do bando de criminosos e doentes mentais que ganhou a eleição, prometendo matar e matar mais “vermelhos” e “diferentes” do que o fez a ditadura? Estaria eu “naturalizando” o inaceitável?

De fato é a mesma banalização da escravidão de negros que nossos ascendentes brancos fizeram durante séculos. Que levou a que hoje aceitemos sem maiores dificuldades éticas o racismo e a escandalosa desigualdade social que caracterizam nosso país, vitimando majoritariamente os descendentes desses escravos.

Na verdade, deveríamos deixar de lado por um momento as outras lutas e nos concentrarmos, até tirar da Presidência, imediatamente se possível —fora, Bolsonaro—, esse desvairado sem nenhuma compaixão pelos seus semelhantes.

Por causa dele a cada dia que passa morre mais gente, que conhecemos e muitos mais que não conhecemos —mas são também gente, como nós. Segundo imagem do diretor do Instituto Butantã, o número de óbitos diários em São Paulo, o estado mais rico e mais desigual do país, é o mesmo provocado pela explosão de um Boeing 747 por dia.

E ele completa: é um desastre que pode vir a se repetir até o fim do ano. No Brasil como um todo ocorre agora uma morte por minuto. Nessa estatística macabra, provavelmente o país logo passará ao primeiro lugar no mundo.

Será que nossos representantes no Congresso serão os últimos a acordar e descobrir que estão também se tornando responsáveis por esse descalabro ao não votarem o impeachment de Bolsonaro por crimes de responsabilidade, ou seu imediato afastamento por crimes comuns?

Já nem precisamos que o STF ou o procurador-geral da República façam alguma coisa. Já há dezenas de pedidos de impeachment nas gavetas da Câmara, apoiados pela grande maioria dos brasileiros, que só não enchem as ruas para o exigir por causa da pandemia —que desse ponto de vista parece ter sido provocada pessoalmente pelo Diabo.

Acordos de cúpula, obtidos por estratégias espúrias do chefe do bando —usando a mesma tradicional corrupção no Legislativo— tentam mantê-lo no poder até 2022, enquanto interesseiros já se ocupam intensamente das eleições municipais deste ano.

Será que aceitaremos tudo isso, ou que se espere a derrota de Trump, que derrubará também Bolsonaro, enquanto a cada minuto que passa morre mais um de nossos irmãos e irmãs, jovens e velhos, negros e indígenas, pobres principalmente? Acordemos todos. Já é quase tarde demais.

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