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Jerson Kelman

O Brasil corre o risco de dar certo

Foi o que pensei após sessão que aprovou novo marco legal do saneamento

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Jerson Kelman

Foi presidente da Sabesp de 2015 a 2018, diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) de 2005 a 2008 e presidente da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento) de 2001 a 2004).

O Brasil corre o risco de dar certo. Foi o que pensei logo que acabou a histórica sessão do Senado que aprovou o novo marco legal do saneamento. Histórica não apenas devido ao resultado —a aprovação do novo marco—, mas também devido à forma cordata como ocorreu a discussão. O Senado mostrou ao país que políticos com formações ideológicas distintas conseguem colocar a luta pelo poder de lado e decidir em benefício do bem comum.

A discussão transcorreu em alto nível de civilidade, e diversas táticas de obstrução comumente adotadas no Congresso Nacional foram abandonadas em favor da causa maior: melhorar as condições de vida dos mais pobres. A convergência entre as diversas correntes políticas foi tão intensa que dá para cogitar que a discussão sem proximidade física traga benefícios.

Jerson Kelman na sede da Sabesp, a qual presidiu, em 2017
Jerson Kelman na sede da Sabesp, a qual presidiu, em 2017 - Eduardo Anizelli - 30.mar.17/Folhapress

Recente editorial desta Folha (“Saneamento urgente”, 5/7) apresenta diagnóstico das atuais mazelas do saneamento e descreve a arquitetura legal, regulatória e institucional do novo marco legal para solucioná-las. Essencialmente, trata-se de reconhecer a exaustão de recursos fiscais e de criar condições seguras e justas para que empresas privadas se interessem em trazer capital, boa governança e alta produtividade para resolver problemas que países desenvolvidos já deixaram para trás há mais de um século.

Se tudo funcionar bem, é possível esperar um surto de investimentos e de criação de empregos. Num mundo com grande liquidez e juros próximos a zero, às vezes até negativos, não faltará quem queira aplicar recursos numa atividade nota dez em termos sociais (mais água potável e menos doenças), nota dez em termos ambientais (rios e praias despoluídos) e nota dez em governança (mais eficiência e meritocracia).

Esquematicamente, há duas classes de entidades públicas de saneamento. Na primeira, aquelas voltadas ao atendimento dos interesses da corporação, e não da população. Têm excesso de funcionários e são dirigidas por apadrinhados do cacique político de plantão, frequentemente sem qualificação profissional. Em geral, quando privatizadas, ocorre significativo aumento de produtividade.

Na segunda classe, encontram-se algumas companhias estatais eficientes que adotam os mais elevados padrões de governança. Quando privatizadas se livram das amarras que emperram a administração pública e, nesse sentido, também têm potencial de aumentar a produtividade, porém bem menos intensamente do que as entidades da primeira classe.

Como ganho de produtividade significa fazer mais com menos, é tentador supor que será sempre possível fazer os investimentos necessários à universalização sem elevar as tarifas, apenas com os ganhos de eficiência e aumento da receita associado à maior cobertura do serviço. Porém, essa suposição nem sempre é correta.

Quando não é, depois de alguns anos da assinatura do contrato de concessão, a prestadora privada poderá ser questionada sobre eventuais aumentos tarifários, mesmo que previstos no contrato para remunerar e depreciar novas infraestruturas essenciais à universalização.

Para evitar futuras instabilidades políticas, os contratos de concessão precisam equilibrar diferentes ritmos de universalização com a capacidade de pagamento da população. A metodologia para realizar essa tarefa deve partir do pressuposto de que é preferível estar aproximadamente certo do que precisamente errado.

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