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Gustavo Ioschpe

O golpe já começou

Bolsonaro está instituindo um governo autoritário

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Gustavo Ioschpe

Empresário e economista, é mestre em desenvolvimento econômico pela Universidade Yale (EUA)

Vamos dar nome aos bois: Jair Bolsonaro está instituindo um governo autoritário no Brasil.

Não é uma questão de “quando” ou “se” o golpe virá —ele já está em curso. Não o golpe militar do século 20, com palácios presidenciais bombardeados. Mas um “golpe botox”, aquele em que, logo abaixo de uma fachada de aparente normalidade, toxinas corroem o funcionamento da musculatura democrática.

O empresário e economista Gustavo Ioschpe
O empresário e economista Gustavo Ioschpe - Keiny Andrade - 10.nov.15/Folhapress

O modelo não é Pinochet, é Putin. Democracias não são construtos binários, mas gradientes, e é claro que a nossa já está enfraquecida. Todas as principais instituições democráticas são constantemente atacadas pelo presidente: o Judiciário, a imprensa, o regime de contrapesos. Jornalistas, juízes, políticos opositores: são todos ameaçados, humilhados, achincalhados.

Se milícias físicas e virtuais forem armadas e acolhidas, as liberdades de expressão e reunião viram letra morta. Quando Bolsonaro troca a chefia da Polícia Federal e escolhe um Procurador-Geral da República que o agrade, é a isonomia de todos perante lei —princípio basilar de qualquer República— que é comprometida.

O capitão não precisa de apoio militar para rasgar a Constituição. Se tiver uma imprensa amordaçada, um Judiciário tolhido e o aparato acusatório e investigativo do Estado o protegendo, não há mais eleição justa nem respeito à lei. Não haverá intervenção militar porque ela será desnecessária. Se queremos proteger nossa democracia, precisamos afastar —com as regras da própria democracia— aquele que a golpeia, antes que seja tarde.

O que falta para fazê-lo? Não crimes de responsabilidade. A lista é tão longa que o presidente tem uma folha corrida mais extensa do que uma agenda legislativa. Falta apoio popular. Um em cada três brasileiros ainda o apoia. Esse é um nível alto demais para que nossos congressistas topem removê-lo do cargo. Fernando Collor tinha 9% de aprovação às vésperas do seu impeachment. Dilma Rousseff, 10%.

Sejamos pragmáticos. A missão daqueles que querem defender a nossa democracia é convencer esse terço de bolsonaristas a mudar de lado. Não é inflamar a raiva daqueles que já abominam o mandatário. Há muito que cada cidadão pode fazer para ajudar nessa causa. A primeira mudança de comportamento é parar de se referir a esse terço como “gado”, “minions” ou outros termos desumanizadores. Não é com ofensas que conseguiremos estender a mão e chamar para o nosso lado essas pessoas.

A segunda é parar de tentar acertar as pendências do passado. Ninguém precisa pedir perdão, se arrepender do voto ou ajoelhar no milho: precisamos receber de braços abertos todos aqueles que querem o mesmo futuro.

A terceira é reenquadrar a discussão, fugindo da polarização ideológica. Não é mais uma questão de esquerda e direita, coxinhas e petralhas. Estamos falando da sobrevivência do sistema que justamente permite que optemos pela ideologia que mais nos apetece. Quando essa liberdade estiver assegurada, a gente volta a discutir nos bares e almoços em família. Agora, precisamos de uma pausa para nos unirmos por questão maior.

Finalmente, precisamos convencer aqueles que acreditam que a ditadura é uma opção preferível. Aqueles que —mais por desconhecimento do que sadismo— acham que só o braço forte pode trazer o desenvolvimento econômico que queremos. Essa é uma questão mensurável, não de opinião.

O livro “Democracy and Development”, de Adam Przeworski, faz exatamente isso: mede taxas de crescimento de democracias e ditaduras e mostra que não há ganhos de crescimento em regimes ditatoriais. Mesmo para quem não valoriza a democracia como bem intrínseco, o próprio raciocínio utilitarista a favorece. Se podemos chegar no desenvolvimento sem torturas e mortes, por que optar por esse caminho?

É o nosso comportamento, agora, que determinará que país teremos pelas próximas décadas. Essa é a hora de falar e agir. Onde eles querem a polarização, nossa resposta deve ser a união. Quando ele acha que “acabou, porra”, nós mostramos que as costas são largas e a resiliência é grande: estamos só no começo.

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