Descrição de chapéu

Obsoleto desacato

STF admite o crime vago de desrespeito a autoridade, que pode cercear a crítica

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Policiais fazem enquadro na região de Manaus (AM) onde 17 foram mortos em suposto confronto - Fabiano Maisonnave - 30.out.19/Folhapress

Por maioria de 9 a 2, o Supremo Tribunal Federal decidiu há pouco que o crime de desacato foi recepcionado pela Constituição de 1988. Com a decisão, chega ao final uma celeuma iniciada em 2016 no Superior Tribunal de Justiça.

À época, uma turma do STJ entendeu que a tipificação do crime de desacato a autoridade contrariava leis internacionais de direitos humanos. Julgava-se recurso de um homem condenado a mais de cinco anos de reclusão por roubar uma garrafa de conhaque, desrespeitar policiais e resistir à prisão. Anulou-se, ali, a pena por desacato.

O caso ora analisado pelo STF foi apresentado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), motivado em especial pelo risco à liberdade de expressão.

Ao julgar a favor da constitucionalidade do desacato, o Supremo buscou limitar abusos ao definir que o delito somente ocorre quando praticado na presença do funcionário público, o que exclui críticas na imprensa ou nas redes sociais. Na justificativa do tribunal, trata-se de proteger a função exercida pelo servidor do Estado.

Separar o que é ofensa punível e o que é crítica à legalidade da atuação do profissional constitui tarefa árdua que caberá aos magistrados em casos concretos.

Não ajuda o fato de tal crime padecer, na legislação, de linguagem tautológica. Previsto no artigo 331 do Código Penal, esse tipo penal torna punível com multa ou detenção de seis meses a dois anos “desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela”.

Definir o crime pelo seu próprio nome pode dar margem a interpretações questionáveis por parte dos próprios ofendidos.

Não é de hoje que episódios de violência policial envolvem a invocação do desacato como forma de inibir contestação à eventual ilegalidade da abordagem.

A título de exemplo, a Polícia Militar registrou boletim de ocorrência com essa acusação, entre outras crimes, à mulher em Parelheiros, na periferia de São Paulo, cujo pescoço foi pisado por um policial militar em maio deste ano.

O mesmo ocorreu, em junho, com jornalistas no interior do Rio Grande do Sul agredidos por PMs depois de serem proibidos de fotografar um caminhão do Exército.

Sem que se distingam críticas de ofensas a funcionários públicos, a norma já um tanto obsoleta pode gerar abusos que, em uma sociedade democrática, os tribunais devem prontamente coibir.

editoriais@grupofolha.com.br

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