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Esper Kallás e Lily Weckx

Os estudos de vacinas para a Covid-19

Não podemos abrir mão de preceitos básicos na condução das pesquisas

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Esper Kallás

Médico infectologista, professor titular da Faculdade de Medicina da USP e colunista da Folha

Lily Weckx

Médica pediatra, professora da Unifesp e investigadora principal do centro coordenador da pesquisa com a vacina Oxford

Tem sido grande o entusiasmo causado pela chegada de vacinas para o novo coronavírus e seus estudos no Brasil. Entretanto, aprovar o uso de uma nova vacina não é tarefa simples.

Até a chegada da pandemia de Covid-19, eram precisos muitos anos —em média sete— para que novas vacinas recebessem licenciamento para uso. Desde a ideia inicial e experimentos em laboratório, segue para testes em modelos de infecção, que podem requerer experimentos em animais, seguidos por testes em humanos. A partir daí, avalia-se a segurança, a capacidade de induzir resposta imune e, finalmente, a proteção contra a Covid-19.

Os testes em pessoas percorrem três fases. Na primeira, a vacina é testada em um grupo pequeno de voluntários, em diferentes doses; na segunda, amplia-se o número de participantes, já com a dose definida; a terceira verifica a eficácia da vacina em um grande número de pessoas.

Se a vacina é segura e eficaz, os fabricantes se preparam para viabilizar a produção e a comercialização. Cabe, então, aos gestores da saúde pública planejar a obtenção, distribuição e implementação de regras para que a população seja vacinada.

Diante desta pandemia, não podemos esperar sete anos. Para que as vacinas da Covid-19 estejam disponíveis, esses processos precisam ser mais céleres, respeitando, contudo, dois princípios fundamentais.

Não podemos abrir mão da segurança do voluntário: as boas práticas clínicas, normas internacionais que norteiam a condução de pesquisas, seguem padrões propostos pelo Conselho Internacional de Harmonização de Requerimentos Técnicos para Uso Humano de Produtos Farmacêuticos. Pautam-se em princípios éticos estritos, treinamento da equipe que executa a pesquisa, documentação cuidadosa dos processos, armazenamento de dados de forma segura e confidencial, controles externos e internos de qualidade e submissão a inspeções por agências regulatórias nacionais e internacionais.

Não podemos abrir mão do rigor científico: são princípios técnicos que norteiam a escolha do produto, o planejamento da pesquisa, a dose da vacina, os intervalos entre as vacinações e as consultas, o processamento das amostras colhidas, o acompanhamento do projeto por equipes científicas independentes, as análises criteriosas dos resultados e a transparência na divulgação do trabalho realizado.

Demais etapas vêm sendo aceleradas: fabricantes, financiadores, beneméritos, equipes de pesquisa e agências regulatórias brasileiras deram resposta tão rápida quanto possível; elogios à Conep e à Anvisa, que têm contribuído com bastante celeridade em resposta à urgência, sem abrir mão das regras de revisão dos projetos.

Os estudos propostos com as vacinas Coronavac e Oxford seguem princípios rigorosos, sem os quais não aceitaríamos participar. Ambos os fabricantes estabeleceram parcerias que abrem portas à transferência de tecnologia para fabricantes no Brasil, bem como ao acesso às vacinas, ampliando sua capacidade de adoção em programas públicos, caso demonstrem eficácia.

Quando saberemos os resultados? Qualquer resposta será imprecisa. Junto com pesquisadores de vários centros brasileiros e de fora do país, levaremos meses para incluir, vacinar e verificar possíveis efeitos colaterais de todos os voluntários inscritos. Serão, então, acompanhados por mais alguns meses, quando as vacinas, de fato, serão postas à prova.

Cada estudo deverá avaliar a ocorrência de casos de Covid-19 em voluntários que receberam vacina ou placebo, expostos ao vírus na comunidade ou no trabalho. Somente com essa análise será possível responder se as vacinas funcionam.

Há sinais alarmantes que mostram a polarização política tentando interferir nesse processo, com manifestações preconceituosas, notícias falsas e campanhas difamatórias. Ignoram que o sucesso dos estudos poderá trazer proteção para os brasileiros.

Pesquisadores, fabricantes de vacinas, políticos, gestores de saúde e sociedade podem, juntos, dar esse importante passo para enfrentar a pandemia. Quanto mais vacinas cruzarem a linha de chegada, melhor.

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