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Paulo Sérgio Pinheiro

Violência com dor contra crianças: um despautério

Espanta a defesa do castigo com dor no século 21

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Paulo Sérgio Pinheiro

Professor titular de ciência política da USP, foi coordenador da Comissão Nacional da Verdade (2013) e ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos (2001-02, governo FHC)

A violência contra a criança inclui todas formas de violência contra crianças e adolescentes até 18 anos na família, na escola, no trabalho, nas instituições e na comunidade. Segundo relatório de 2020 da OMS, uma a cada duas crianças, ou um bilhão, sofre algum tipo de violência a cada ano, e cerca de 300 milhões no mundo todo são alvo de castigo físico e violência psicológica por seus pais e responsáveis. Quando visitei 65 países para o estudo mundial sobre violência contra a criança da ONU, em todos eles crianças e adolescentes reclamavam de estar cansadas de apanhar por seus pais e mães.

Além das mortes, centenas de milhões de crianças submetidas à violência requerem tratamento médico de emergência, com danos como lesões cerebrais, habilidade cognitiva reduzida e doenças mentais e físicas . No Brasil, segundo o DataSUS de 2017, há registros de 126.230 casos de violência contra a criança e o adolescente, sendo 10% com menores de quatro anos. Daqueles, 72.498 casos ocorreram na casa da vítima, sendo a mãe algoz em 34.495 e o pai em 25.962. Em 2019, o Ministério dos Direitos Humanos concluiu que quase 90% da violência sexual acontece no ambiente familiar.

Paulo Sérgio Pinheiro no lançamento da Comissão Arns - Zanone Fraissat - 20.fev.19/Folhapress

Tudo isso me veio à cabeça ao ver pregação do pastor presbiteriano Milton Ribeiro em abril de 2016, no vídeo “A Vara da Disciplina”, aconselhando às mães que no castigo os filhos devem “sentir dor”. O pastor toma recomendações de educação dos hebreus entre 1.800 a.C. e 500 a.C., no Velho Testamento, como se fossem manual para os pais nos trópicos no século 21.

O que espanta é o pastor e ministro da Educação preconizar castigos corporais “com dor” em 2016, em plena vigência da Lei Menino Bernardo (13.010), de 26 de junho de 2014, projeto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estabelece o direito da criança e do adolescente de serem educados sem o uso de castigos físicos. A lei não retira a autoridade nem criminaliza os pais, mas visa promover formas positivas não violentas e mais eficazes de disciplina.

O pastor Milton Ribeiro, novo ministro da Educação
O pastor Milton Ribeiro, novo ministro da Educação - Divulgação

Hoje não há nenhuma dúvida de que os castigos físicos são uma grave violação dos direitos das crianças, conforme a convenção da ONU sobre os direitos da criança (ratificada por 192 países) e a legislação interna brasileira, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), comemorando 30 anos. Em 2009, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, na Costa Rica, atendendo consulta da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, reafirmou que os 35 Estados do continente devem proteger os direitos das crianças contra maus tratos e ser obrigados a adotar leis proibindo o castigo corporal.

Nenhuma violência contra as crianças pode ser justificada, e toda violência pode ser sempre prevenida. É deplorável que cerca de 3 em 10 adultos mundo afora ainda acreditem que o castigo físico seja necessário para cuidar e educar as crianças. Não importa a cultura, a religião ou o nível de desenvolvimento econômico e social, toda sociedade tem a obrigação de fazer cessar a violência covarde e nefasta dos adultos contra elas.

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