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A inconsequente extinção da Fundação Florestal

Governo paulista vai na contramão da sustentabilidade e da pesquisa científica

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É com grande surpresa e indignação que a comunidade científica soube, por meio da entrevista de Mauro Ricardo, secretário paulista de Projetos, Orçamento e Gestão, à rádio Bandeirantes, no dia 7 de agosto, que o governo de São Paulo planeja extinguir a Fundação para a Conservação e a Produção Florestal do Estado de São Paulo, conhecida como Fundação Florestal.

No momento em que a questão da gestão ambiental é cada dia mais destacada por seu peso na imagem do país junto aos parceiros comerciais no exterior e aos fundos de investimento, extinguir a Fundação Florestal é um contrassenso.

Desde 2006, quando foi instituído o Sistema Estadual de Florestas, a Fundação Florestal é responsável pela gestão de 102 Unidades de Conservação no estado de São Paulo, incluindo, entre outros, 34 parques estaduais, 15 estações ecológicas e 33 áreas de proteção ambiental. Isso significa que a Fundação Florestal é responsável pela gestão de 14% da extensão territorial estadual e 50% do mar territorial paulista, o que inclui a maior área de floresta contínua de toda a Mata Atlântica.

A importância das Unidades de Conservação é reconhecida pela Constituição de 1988 e regulamentada por lei desde 2000, com a implementação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Este sistema é condizente com diretrizes internacionais de conservação, como a meta 11 da Convenção da Diversidade Biológica, das Nações Unidas, que almeja até 2020 a proteção de pelo menos 17% das áreas terrestres e aquáticas continentais.

As Unidades de Conservação geram benefícios sociais de extrema relevância. Cerca de 70% da água de abastecimento urbano de São Paulo provém de Unidades de Conservação, o que garante não apenas a sua abundância como a sua melhor qualidade, reduzindo os custos de seu tratamento e contribuindo com a geração de energia hidroelétrica, que corresponde a 53% da matriz de fontes de energia elétrica do estado.

As Unidades de Conservação exercem também papel fundamental para o enfrentamento das mudanças climáticas, uma vez que elas estocam e ajudam a manter fora da atmosfera cerca de 10 bilhões de toneladas de gás carbônico. Em algumas dessas unidades é permitido o uso econômico sustentável, sendo fontes importantes de produtos madeireiros e não madeireiros, como o palmito juçara e o pescado, entre outros. Dessa forma, contribuem com geração de renda para o estado e para o sustento das comunidades do seu entorno.

As Unidades de Conservação também se destacam como áreas de lazer e recreação, atuando no bem-estar e na saúde física e mental da população. Propiciam ainda atividades educativas a estudantes e conscientização ambiental do público em geral. Apenas o Parque Estadual de Campos do Jordão (SP) recebe anualmente mais de 100 mil visitantes.

Em tempos de pandemia, é também importante ressaltar que as Unidades de Conservação ajudam na contenção da propagação de algumas doenças zoonóticas, como no caso da hantavirose e da febre amarela. A Fundação Florestal tem a importante tarefa de zelar pela proteção e monitoramento das florestas e das espécies nativas para evitar o surgimento de novas doenças zoonóticas, resultantes do uso inadequado dos recursos naturais.

E, é claro, essas unidades protegem a biodiversidade, que, além do seu valor intrínseco, representa também possibilidades futuras de novos medicamentos, cosméticos e variedades de cultivos agrícolas, além de outros recursos genéticos, exercendo assim papel importante para aumentar a resiliência da produção agrícola.

As Unidades de Conservação são laboratórios insubstituíveis para a pesquisa científica, permitindo o avanço do conhecimento sobre a composição, estrutura e funcionamento de ecossistemas nativos. Tal conhecimento é essencial para a adequada conservação, restauração e uso sustentável da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos que ela provê. Em particular, a parceria de pesquisadores do Programa Biota da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) com a Fundação Florestal vem permitindo aperfeiçoar cada vez mais a gestão das Unidades de Conservação.

Numa avaliação econômica feita em 2018 pelos pesquisadores Carlos Young e Rodrigo Medeiros, estimou-se que as Unidades de Conservação brasileiras geram mais de 300 mil postos de trabalho e têm um impacto econômico da ordem de R$ 60 a 80 bilhões por ano.

Diante da relevância das Unidades de Conservação para a sociedade, é surpreendente e inaceitável a notícia de extinção do principal órgão de gestão dessas áreas no estado de São Paulo, sem ampla discussão prévia com a sociedade e a comunidade científica, e apresentação de planos alternativos.

O espanto ocorre também pela consistente atuação da Fundação Florestal na proteção e gestão dessas Unidades nos últimos 14 anos. Isso indica que o Poder Executivo estadual, em suas gestões anteriores, sempre entendeu e valorizou o papel dessas áreas, de forma condizente com os princípios de desenvolvimento sustentável e socialmente justo.

Apesar de imensa responsabilidade da Fundação Florestal e dos amplos benefícios que as Unidades de Conservação oferecem para o bem-estar da população, o custo para os cofres públicos é extremamente limitado —no primeiro semestre de 2020, foram apenas R$ 52 milhões que vieram do Tesouro do estado de São Paulo (o equivalente ao que foi pago na locação de veículos neste mesmo período).

Tirar a administração das Unidades de Conservação da Fundação Florestal —que há mais de uma década vem desempenhando essa função com eficiência— é uma atitude temerária diante das incertezas relacionadas à criação de um outro sistema de gestão (ainda inexistente) e dos impactos imprevisíveis desta mudança sobre as Unidades de Conservação.

A extinção da Fundação Florestal poderá trazer enormes prejuízos, tanto do ponto de vista econômico quanto socioambiental. Trata-se de um ato temerário cuja consequência mais óbvia é agravar ainda mais a crise atual, e não solucioná-la. Por isso, consideramos inconcebível a extinção da Fundação Florestal da Secretaria de Estado de Infraestrutura e Meio Ambiente.

* A Coalizão Ciência e Sociedade endossa este artigo (https://cienciasociedade.org)

Jean Paul Metzger

Professor titular do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências da USP e membro do Comitê de Coordenação do Programa Biota, da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo)

Carlos Joly

Professor titular em ecologia da Unicamp, membro da Academia Brasileira de Ciências e coordenador da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES)

Vânia Pivello

Professora titular do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências da USP

Pedro Brancalion

Professor associado da USP, é vice-coordenador do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica

Rozely Ferreira dos Santos

Professora livre-docente pela Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp e colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Ecologia do Instituto de Biociências da USP

Mercedes Bustamante

Professora titular do Departamento de Ecologia da UnB e membro da Academia Brasileira de Ciências

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