O professor Marcos Lisboa, ao tratar da questão da reforma tributária em sua coluna do dia 25 de julho, nesta Folha, parece ter seguido o velho conselho de Schopenhauer, preferindo, em vez de debater francamente o tema, desqualificar o interlocutor ("há advogados que não entendem como funciona o IVA").
O núcleo da divergência reside na sistemática de cobrança do novo tributo, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). No exemplo dado pelos defensores da CBS, a carga tributária dos prestadores de serviços seria reduzida, pois os 12% correspondentes à nova incidência seriam sempre repassados no preço do serviço. Querem fazer crer que o aumento de 3,65% para 12% será benéfico até, eis que esses 12% onerariam economicamente sempre a ponta final (o tomador do serviço), funcionando o prestador como um mero "arrecadador" do tributo.
Embora a premissa teórica seja perfeita, sua aplicação no mundo real é de uma ingenuidade comovente. Num momento de economia devastada, com PIB caindo mais de 10%, alguém com um mínimo de vivência não pode sinceramente acreditar que, da noite para o dia, todos os preços sofrerão este relevante acréscimo, e a vida seguirá normalmente. É óbvio que a maioria dos preços não tem essa elasticidade, não sendo esse repasse da CBS tão simples como se apresenta. Ademais, há o problema dos inúmeros contratos vigentes fixando que os tributos respectivos correm por conta do contratado, casos em que, para além do óbice negocial, haverá também um obstáculo contratual.
O professor Marcos Lisboa, aderente precoce à reforma do governo, faz a comparação entre a tributação da compra da geladeira e a do serviço do advogado. A má notícia, no entanto, é que a CBS aumentará ambas operações. A mudança no PIS/Cofins (seja o de 3,65% cumulativo, ou o de 9,25% não cumulativo, hoje existentes) causará inequívoco aumento de carga tributária para toda a sociedade, desacompanhada dos benefícios que uma ampla reforma traria.
A proposta do governo não representa uma verdadeira reforma tributária, nem sequer seu primeiro movimento. Trata-se de borrada maquiagem de dois tributos existentes, com um expressivo aumento deles uma versão edulcorada de ideia debatida desde o governo Dilma.
O Brasil não pode se dar ao luxo da insensatez. Não se pode aceitar esse caminho. É impossível evoluir numa reforma sem um ajuste global e sistêmico, principalmente porque, além da CBS, a tributação do consumo continuará a ser onerada por ISS, ICMS e IPI.
Tome-se, por exemplo, o serviço de telecomunicação, um dos mais essenciais para a população, e já excessivamente tributado (carga total de aproximadamente 45%): com a mudança da alíquota de 3,65% para 12%, haverá expressivo aumento do preço ao consumidor sem nenhuma vantagem sistêmica. Estudos do setor apontam para um aumento de carga (mesmo com o desconto dos créditos) da ordem de 11%.
Assusta-se com a assombração errada quem pensa que a OAB é contra o IVA. Ao contrário, não há dúvidas que este tributo é o caminho para o futuro. A OAB reafirma sua convicção de que é chegada a hora da aprovação de uma proposta mais ousada, ampla, que aproxime o país de outros sistemas tributários mais modernos, sem desprezar estados e municípios —exatamente como vinha fazendo o Congresso Nacional por meio das PECs 45 e 110— e com um período de transição que não implique solavancos.
A "reforma" proposta pelo governo federal nos faz temer o deslinde advertido pelo príncipe de Salinas: "as coisas mudam, para pior".
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