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Felipe Santa Cruz, Eduardo Maneira e Luiz Gustavo Bichara

A pseudorreforma tributária

Proposta é maquiagem de tributos existentes, com expressivo aumento deles

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Felipe Santa Cruz

Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)

Eduardo Maneira

Presidente da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB

Luiz Gustavo Bichara

Sócio de Bichara Advogados e procurador tributário do Conselho Federal da OAB

O professor Marcos Lisboa, ao tratar da questão da reforma tributária em sua coluna do dia 25 de julho, nesta Folha, parece ter seguido o velho conselho de Schopenhauer, preferindo, em vez de debater francamente o tema, desqualificar o interlocutor ("há advogados que não entendem como funciona o IVA").

O núcleo da divergência reside na sistemática de cobrança do novo tributo, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). No exemplo dado pelos defensores da CBS, a carga tributária dos prestadores de serviços seria reduzida, pois os 12% correspondentes à nova incidência seriam sempre repassados no preço do serviço. Querem fazer crer que o aumento de 3,65% para 12% será benéfico até, eis que esses 12% onerariam economicamente sempre a ponta final (o tomador do serviço), funcionando o prestador como um mero "arrecadador" do tributo.

Embora a premissa teórica seja perfeita, sua aplicação no mundo real é de uma ingenuidade comovente. Num momento de economia devastada, com PIB caindo mais de 10%, alguém com um mínimo de vivência não pode sinceramente acreditar que, da noite para o dia, todos os preços sofrerão este relevante acréscimo, e a vida seguirá normalmente. É óbvio que a maioria dos preços não tem essa elasticidade, não sendo esse repasse da CBS tão simples como se apresenta. Ademais, há o problema dos inúmeros contratos vigentes fixando que os tributos respectivos correm por conta do contratado, casos em que, para além do óbice negocial, haverá também um obstáculo contratual.

O professor Marcos Lisboa, aderente precoce à reforma do governo, faz a comparação entre a tributação da compra da geladeira e a do serviço do advogado. A má notícia, no entanto, é que a CBS aumentará ambas operações. A mudança no PIS/Cofins (seja o de 3,65% cumulativo, ou o de 9,25% não cumulativo, hoje existentes) causará inequívoco aumento de carga tributária para toda a sociedade, desacompanhada dos benefícios que uma ampla reforma traria.

A proposta do governo não representa uma verdadeira reforma tributária, nem sequer seu primeiro movimento. Trata-se de borrada maquiagem de dois tributos existentes, com um expressivo aumento deles uma versão edulcorada de ideia debatida desde o governo Dilma.

O Brasil não pode se dar ao luxo da insensatez. Não se pode aceitar esse caminho. É impossível evoluir numa reforma sem um ajuste global e sistêmico, principalmente porque, além da CBS, a tributação do consumo continuará a ser onerada por ISS, ICMS e IPI.

Tome-se, por exemplo, o serviço de telecomunicação, um dos mais essenciais para a população, e já excessivamente tributado (carga total de aproximadamente 45%): com a mudança da alíquota de 3,65% para 12%, haverá expressivo aumento do preço ao consumidor sem nenhuma vantagem sistêmica. Estudos do setor apontam para um aumento de carga (mesmo com o desconto dos créditos) da ordem de 11%.

Assusta-se com a assombração errada quem pensa que a OAB é contra o IVA. Ao contrário, não há dúvidas que este tributo é o caminho para o futuro. A OAB reafirma sua convicção de que é chegada a hora da aprovação de uma proposta mais ousada, ampla, que aproxime o país de outros sistemas tributários mais modernos, sem desprezar estados e municípios —exatamente como vinha fazendo o Congresso Nacional por meio das PECs 45 e 110— e com um período de transição que não implique solavancos.

A "reforma" proposta pelo governo federal nos faz temer o deslinde advertido pelo príncipe de Salinas: "as coisas mudam, para pior".

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