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Vitor Mori, Camila Genaro Estevam e Maria Rita Donalisio Cordeiro

Covid-19: a solução passa pelo SUS

Agentes comunitários têm condições de chegar à população mais vulnerável

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Vitor Mori, Camila Genaro Estevam e Maria Rita Donalisio Cordeiro

Membros do Observatório Covid-19 BR

O Brasil se tornou oficialmente o segundo país do mundo a romper a triste marca de 100 mil vidas perdidas para a Covid-19. Gostaríamos de prestar nossa solidariedade a todos e todas que perderam entes queridos nesta que é uma das maiores tragédias de nossa história. Este marco nos obriga a uma reflexão sobre os erros cometidos e quais ações estão ao nosso alcance.

Temos no SUS um grande programa comunitário de atenção primária capilarizado por meio das equipes de saúde da família e Agentes Comunitários de Saúde (ACS). Apesar de termos dado exemplos ao mundo no enfrentamento de muitas emergências epidemiológicas, essa estrutura não foi aproveitada no enfrentamento da Covid-19.

Tivemos semanas para aprender sobre o vírus com os países afetados anteriormente, mas falhamos em monitorar a entrada de pessoas vindas do exterior. Perdemos muito tempo com o falso dilema entre saúde e economia. As medidas de distanciamento físico foram implementadas com discursos contraditórios e sem ações adjuvantes indispensáveis, como rastreamento, isolamento de contatos e ampla testagem.

Uma estratégia nacional, que deveria ter sido coordenada pelo Ministério da Saúde, nunca existiu. Mesmo com a aprovação da PEC do Orçamento de Guerra, até o final de julho menos de 30% desses recursos haviam sido utilizados. O auxílio emergencial demorou a ser implementado e sua execução foi cercada de problemas, expondo a desigualdade social no Brasil. As populações pretas, mais pobres e com menos escolaridade estão sendo brutalmente mais afetadas pela pandemia, por apresentarem mais comorbidades, menos acesso a saúde e por serem obrigadas a se expor mais ao vírus.

No atual cenário, quais alternativas para a mitigação da pandemia temos? No nível individual, o uso de máscaras faciais tem papel fundamental, pois diminuem a emissão de aerossóis e perdigotos contendo o vírus pelas pessoas infectadas e reduzem a carga viral à qual um indivíduo não infectado é exposto. Além disso, a confirmação de transmissão do vírus pelo ar reforça a importância de manter ambientes arejados, e evitar ao máximo aglomerações.

No nível coletivo, o rastreamento de contatos é fundamental, pelo trabalho integrado entre vigilância em saúde, rede de atenção primária e ACS. O rastreamento de contatos consiste em identificar e quarentenar o indivíduo exposto antes que ele tenha potencial infeccioso, que em média ocorre três dias após a exposição.

Para encontrar agilmente uma cadeia de transmissão e interrompê-la é necessário que, além de uma grande quantidade de testes (RT-PCR), se tenha uma equipe bem capacitada e munida dos devidos EPIs (Equipamentos de Proteção Individuais). A rede do SUS tem a capacidade de chegar à população mais vulnerável, particularmente por meio dos ACS, devido ao amplo conhecimento do território e a relação de confiança mútua com a população. Tais profissionais teriam condição não só de identificar casos ativos e contatos, como também de auxiliar no acompanhamento do quadro de saúde dos infectados, permitindo à equipe de saúde encaminhamento precoce para assistência adequada.

A situação angustiante na qual estamos envolvidos é terreno fértil para soluções fáceis, mas sem comprovação científica. Mesmo com o esforço hercúleo da ciência na busca por uma vacina e tratamentos eficazes, precisamos encarar a dura realidade de que a pandemia ainda está longe do fim –e, hoje, temos apenas medidas não farmacológicas para controlar a epidemia, como distanciamento físico, uso de máscara e rastreamento de contatos.

Desconsiderar essa realidade já matou muitas pessoas, seja por negacionismo da ciência, desinformação ou politização da saúde pública. As vidas perdidas não voltam, mas a história que contaremos daqui para frente depende da seriedade com a qual vamos encarar o combate à pandemia nos próximos meses.

* Este artigo foi construído de forma coletiva pelos membros do Observatório Covid-19 BR, que endossam as informações publicadas. Uma versão estendida está disponível em https://covid19br.github.io/

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