Direito à saúde para os livres

Juízes decidem contra direito à saúde de presos mesmo se integram grupos de risco

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Natália Pires

A ação do sistema de Justiça sobre a política de saúde era pauta bastante discutida até a pandemia.
Por meio de interpretação ampla do direito, juízas/es por todo o país determinam desde correções necessárias a ineficiências do sistema de saúde até o financiamento público de tratamentos experimentais e inseguros.

Basta recorrer ao Judiciário com uma receita médica e tribunais invocarão o artigo 196 da Constituição para fundamentar a concessão de quase 90% dos pedidos. A resposta do Judiciário é inversa (e perversa) às demandas por saúde das pessoas presas.

Prisões no Brasil são insalubres, inseguras e superlotadas, isso não é novidade. A taxa de ocupação média em presídios é próxima de 160% (e chega a mais de 200% em alguns estados). Faltam água e energia. A alimentação é insuficiente, assim como atendimento médico. Não é à toa que pessoas presas estão mais sujeitas a contrair doenças como tuberculose, sífilis, hepatite e HIV/Aids.

Para a Covid-19, os riscos não são diferentes, noticiados pela mídia e academia.

Pelo país, advogadas/os e defensoras/es ajuízam pedidos de liberdade provisória, progressão de regime ou prisão domiciliar para mulheres grávidas, idosas/os e demais pessoas presas parte de grupos de risco da Covid-19. O próprio Conselho Nacional de Justiça editou recomendação detalhada, pedindo a proteção da saúde de pessoas presas, saída antecipada e liberdade para crimes sem violência ou grave ameaça ou que envolvessem pessoas em risco.

Mas nem pandemia, nem recomendação parecem ter efeito sobre o funcionamento da Justiça criminal.
Como noticiam o Infovírus e pesquisadoras/es do Insper, da FGV, da UFSC e da UFSM, juízas/es decidem contra o direito à saúde de pessoas em privação de liberdade mesmo em grupo de risco. Em muitas decisões, argumentam que o governo já teria oferecido as condições necessárias para a prevenção da pandemia em presídios. Em outras, o risco do "traficante solto" seria maior que o risco à vida da pessoa presa.

Para boa parte do Judiciário, o direito à saúde de pessoas em privação de liberdade não é o mesmo do de pessoas livres.

De um lado, juízas/es entendem as SAPs e o Depen eficientes provedores da melhor política. Do outro, em contradição, o SUS é falho e insuficiente.

Para os livres, direito à saúde é até tratamento experimental no exterior. Para as pessoas presas (especialmente as pobres, negras, não amigas do presidente), saúde é o que a política provê: quando muito uma máscara. Banho quente é luxo. O arroz e feijão de todo dia é obrigação da família.

Natália Pires é doutora em direito constitucional pela Universidade de São Paulo e professora de direito do Insper.

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