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Hospital não é delegacia

Governo ergue mais barreiras para aborto legal após caso de criança estuprada

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Mulheres protestaram contra a cultura do estupro no Brasil em frente ao STF no dia 20 de agosto
Mulheres protestaram contra a cultura do estupro no Brasil em frente ao STF no dia 20 de agosto - Pedro Ladeira/Folhapress

A índole do governo do presidente Jair Bolsonaro se revela inteira na portaria baixada na sexta (28) pelo Ministério da Saúde a pretexto de normatizar o provimento de aborto nos casos previstos em lei. A cegueira fundamentalista na pasta militarizada aniquila qualquer resquício de bom senso e empatia.

Sobra-lhe, contudo, hipocrisia. Sob a justificativa de levar segurança jurídica a funcionários de serviços hospitalares encarregados da realização do procedimento, acrescenta barreiras intimidantes a mulheres já traumatizadas pela necessidade de interromper a gravidez.

Cabe aqui reiterar quais os casos com autorização legal de abortamentos, para que não paire dúvida sobre a gravidade da condição em que tais gestantes se encontram. Eles só podem ocorrer quando a gravidez decorre de estupro, comporta risco para a vida da mulher ou resulta em feto anencéfalo.

Em nome de uma vida, aquela incipiente no ventre da vítima de situação cruel, impõem-se tormentos adicionais às que buscam o serviço de saúde profissional em lugar de recorrer a abortos clandestinos que tantas mortes provocam.

Extremistas religiosos veem justiça divina no sofrimento alheio, mas espanta que o Ministério da Saúde se renda à estratégia de desumanização. Que o faça poucos dias depois do assédio impiedoso à menina capixaba de 10 anos estuprada desde os 6 evidencia que o zelo ideológico suplanta com folga, na pasta, o mandato ético.

A portaria estipula, entre outros constrangimentos, que médicos reportem o aborto à polícia e colham depoimentos circunstanciados sobre o evento do estupro.

Hospital não é delegacia. A norma afastará do atendimento aquelas que dele necessitam.

Há que levar em conta a tendência de alguns profissionais de saúde a escudar-se na objeção de consciência para recusar o procedimento a mulheres desesperadas. Criar exigências novas só lhes dará novas desculpas para falhar no cumprimento do dever.

Logo no Espírito Santo surgiu outro caso para abrir os olhos de quem não perdeu a faculdade de se comover com a desdita alheia: mais uma menina estuprada e grávida, de 11 anos, a peregrinar por quatro dias por um direito seu.

Particulares podem talvez abandoná-la para que se vire sozinha, se conseguirem justificar a crueldade à própria consciência. Ao poder público não se faculta tal desumanidade, na prática ou por portaria, sobretudo quando estas afrontem a letra e o espírito da lei.

editoriais@grupofolha.com.br

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