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Antônio Marcos Capobianco

Mãe gentil?

Que a reforma tributária rechace a indecência e instaure a progressividade

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Antônio Marcos Capobianco

Sociólogo, é pesquisador na área dos direitos sociais e difusos; foi vice-Presidente do Comitê das Bacias Hidrográficas do Litoral Norte e da Federação Pró-Costa Atlântica

Com a pandemia de Covid-19 cresce a urgência da reforma tributária. O Brasil é o país mais desigual do mundo se considerarmos a concentração no 1% mais rico, que fica com quase 30% do total da renda. Quando são levados em conta os 10% mais ricos, estes ficam com 55%, e passamos ao sétimo país mais desigual.

Seis bilionários têm mais riqueza do que a metade da população. De 2018 a 2019, as famílias mais ricas, com ativos de US$ 3,5 trilhões, tiveram um aumento de US$ 312 bilhões. O número de brasileiros com mais de US$ 1 bilhão aumentou de 42 para 58 —e, juntos, acumulam US$ 179,7 bilhões. O número atual de 259 mil milionários (em dólares) poderá chegar a 350 mil em 2024.

Estima-se que a reforma da Previdência gere R$ 500 bilhões de riqueza em dez anos. Hoje são mais de 105 milhões de brasileiros sobrevivendo com cerca de R$ 438 por mês e 21 milhões com cerca de R$ 112 (pré-pandemia!). Dados da ONU dão conta de que, no final deste ano, terá dobrado o contingente da extrema pobreza no Brasil.

Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), o Brasil é o país com o pior índice de retorno de bem-estar à sociedade em face da arrecadação. O sistema tributário brasileiro é regressivo: os mais pobres pagam mais impostos, proporcionalmente, do que os mais ricos. Enquanto quem ganha R$ 5.000 por mês paga 27,5% de Imposto de Renda (IR), os do topo pagam 6,51%, uma vez que 65,8% da renda destes é isenta. O IR é progressivo, mas, a partir de 40 salários mínimos (SMs), torna-se regressivo. Até R$ 41.800, a alíquota é de 27,5%, mas, acima de R$ 334.400, é de 6%. É a classe média, a faixa entre 20 e 40 SMs, que paga mais.

A isenção da tributação de dividendos é das mais infames jabuticabas da "mãe gentil". Só em dois países há tal isenção. Pelos R$ 52 bilhões de dividendos que receberam em 2019, os acionistas de bancos pagaram zero de IR. Jair Bolsonaro —e Rodrigo Maia— querem taxar o bolso do dividendo, mas pondo nova isenção do IR no bolso do lucro das empresas.

Para o imposto sobre grandes fortunas, suaves alíquotas propostas foram ainda amenizadas com um salamaleque que reduz o 1% original para fortunas acima de R$ 133,2 milhões. Outra aberração é o fato de que o maior volume de imposto arrecadado é o da taxação indireta do consumo de produtos e serviços, mais de 50% (32% na OCDE) —e também do trabalho, e não da renda e do patrimônio, incluindo as terras, como seria mais justo.

Os mais pobres pagam cerca de 26,7% do que ganham em impostos sobre o consumo, e os mais ricos apenas 10,1%. Já a tributação da renda e do patrimônio é de apenas cerca de 22% da carga tributária (40% na OCDE). No conjunto dos impostos, uma família com renda de 2 SMs paga em torno de 50% de sua renda, enquanto uma família com renda superior a 30 SMs paga 26% —e o bilionário, 3%, em frontal violação à Constituição, aos princípios da capacidade contributiva, à isonomia e à progressividade.

Filhos prediletos da "mãe gentil" contam ainda com a gentileza da impunidade ante a sonegação (25% do PIB) e de outros crimes contra a ordem tributária. Justiça tributária não haverá também sem o fim da isenção a iates e aviões (cerca de R$ 5 bilhões não arrecadados) para os filhos pródigos e sem o aumento das alíquotas do ITR (Imposto Territorial Rural), cuja arrecadação neste país-continente monta em ridículo 0,4% do PIB.

A TV reduz a discussão ao quase anódino em face da regressividade: a "simplificação". A sociedade mira a parcela de parlamentares prepostos dos privilegiados. O argumento de que a maior taxação dos ricos provoca a fuga de capitais é falácia desmistificada em estudo do FMI. Especialmente em países com um mercado interno como o do Brasil.

O FMI e cinco ganhadores do Prêmio Nobel reconhecem o aumento da renda das classes mais baixas, via política tributária justa e programas assistenciais, como indispensável ao crescimento econômico. A emenda substitutiva global 178/2019 é via para a alforria.

Com a pandemia, aumentará exponencialmente a legião dos deserdados. E também a riqueza: no Brasil, de março a junho, bilionários aumentaram suas fortunas em US$ 34 bilhões. Que a reforma tributária rechace a indecência, instaure a progressividade e faça justiça.

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