Acabo de voltar do Congresso da Sociedade Internacional de Pesquisa em Células-Tronco (International Society for Stem Cell Research, ou ISSCR), que reúne a nata dos pesquisadores em células-tronco e medicina regenerativa do mundo.
Nos quatro dias de imersão em meu computador —o congresso virou virtual—, assisti a um espetáculo de ciência bem feita, profunda, que pretende desvendar como o nosso corpo funciona, célula por célula, gene por gene, e assim melhorar a saúde humana.
Depois de 20 anos investindo em transformar as células-tronco embrionárias em neurônios, células do pâncreas, da retina e do coração, essas células estão agora sendo testadas em pacientes com Parkinson, diabetes, degeneração macular e insuficiência cardíaca, respectivamente. Os primeiros resultados indicam que as terapias são seguras. É provável que daqui a cinco anos alguns desses tratamentos estejam disponíveis.
Além de células, podemos usar também genes para tratar doenças. A terapia gênica era a grande promessa terapêutica da década de 1990 para a cura de doenças genéticas como fibrose cística e hemofilia, inserindo uma cópia normal do gene mutado nas células dos pacientes. Os desafios eram enormes, e nos 30 anos de bons e maus resultados, cientistas refinaram seus métodos de forma que agora a terapia gênica é uma realidade para algumas doenças raras e alguns tipos de câncer. Temos ainda no horizonte terapia gênica para hemofilia, talassemia, anemia falciforme e distrofia muscular já em testes avançados em pacientes.
E mais: hoje podemos editar genes do nosso genoma com a molécula CRISPR, que ainda será tema de Prêmio Nobel. Pesquisadores dos EUA desenvolveram moléculas CRISPR que modificam nas células do fígado genes que controlam o colesterol, baixando este no sangue e, assim, diminuindo em até 70% o risco de infarto.
Ficção científica? Não, já funciona em macacos e em alguns anos poderá estar disponível para todos: terapia gênica preventiva! Imaginem o que será possível quando conhecermos melhor os genes envolvidos em doenças como Alzheimer, diabetes e hipertensão! Daí a importância de sequenciarmos o genoma dos brasileiros.
Finalmente, esses conhecimentos e tecnologias estão sendo usados para criar testes, medicamentos e vacinas contra o novo coronavírus. Por exemplo, com as células-tronco produzimos micropulmões e microcorações que ajudam a entender como o vírus atua e a triar novos compostos que impeçam a infecção.
Chegamos até aqui com muito investimento por muitos anos em pesquisa básica, aquela que objetiva o conhecimento puro; com a junção das ciências biológicas e exatas; e com uma cultura de empreendedorismo, onde academia e indústria unem forças para transformar o conhecimento em inovação.
Os produtos da inovação promovem o crescimento econômico dos países que entendem que ciência não é gasto, é investimento. A fórmula é bem conhecida —o que precisamos é de vontade política para implementá-la aqui no Brasil.
TENDÊNCIAS / DEBATES
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