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Renato Meirelles

Pandemia inverte equação: as compras vão ao brasileiro

Consumo digital não é panaceia, mas canudo para continuar respirando

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Renato Meirelles

Presidente do Instituto Locomotiva

A pandemia de coronavírus está revolucionando os hábitos de consumo no Brasil. Estamos no quinto mês de distanciamento social e, neste período, o comércio digital deu um salto espetacular, atingindo um patamar que, em condições normais, levaria cinco anos para alcançar.

Embora as mudanças na maneira de comprar já viessem ocorrendo antes da Covid-19, a avassaladora crise de saúde pública acelerou o processo, contornando obstáculos que retardavam a substituição dos canais físicos de vendas. Os empecilhos de ordem tecnológica foram removidos sem necessidade de planejamento, à medida que a nova situação se empunha. A maior barreira, de natureza cultural, também não resistiu à nova realidade. O brasileiro refratário a fazer compras online venceu a desconfiança e aderiu às lojas virtuais para suprir a demanda de produtos e serviços. O parto da alfabetização digital foi natural, mas induzido a fórceps.

Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva
Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva - Mathilde Missioneiro - 11.fev.20/Folhapress

A revolução do consumo se deu em todos os estratos de renda. Pesquisa recente do Instituto Locomotiva, com pessoas acima de 16 anos de todas as classes sociais, mostrou que os brasileiros, como aprendizado da pandemia, vão comparar mais os preços (92%) e experimentar novas marcas (82%).

A reviravolta no varejo, porém, tem sido mais impulsionada pelos segmentos de menor renda, justamente os mais atingidos pela crise econômica decorrente da pandemia. Empurrados para o desemprego ou afetados por redução drástica em seus ganhos, 91 milhões de brasileiros deixaram de pagar alguma conta em abril. Essas pessoas estão calculando como equilibrar receita e despesas da família, e o resultado dessa disposição de economizar é a maior ênfase na relação custo-benefício de produtos e serviços adquiridos.

O comércio que antecipou essa tendência está sobrevivendo a estes tempos bicudos. Não se trata de apostar apenas no e-commerce, que é só um canal de venda pela internet. O que interessa de fato é a lógica da plataforma. O canal de venda é importante, mas, para ter êxito, deve estar integrado a um esquema de entrega eficiente e de um programa de relacionamento com o cliente. Criar e preservar esse ecossistema será a diferença entre aguentar o tranco e sucumbir à crise.

O que vem ocorrendo com as fintechs é ilustrativo da revolução do consumo. Antes da Covid-19, os bancos digitais eram mais voltados às camadas de maior renda, tanto que a grande maioria (95%) tinha conta também em bancos tradicionais. Agora, a bancarização está sendo disseminada por necessidade, uma vez que os benefícios distribuídos pelo governo passam pelo cadastramento via Caixa Econômica Federal e parte do auxílio emergencial de entidades é feita por meio de parcerias com bancos digitais. Mas a lacuna ainda é grande: mais de 5 milhões de brasileiros ainda não têm conta bancária ou acesso à internet.

Ninguém se ilude sobre a gravidade da crise. O Instituto Locomotiva trabalha com a perspectiva de um encolhimento substancial (6%) no consumo das famílias neste ano. É um cenário desafiador para o comércio, sobretudo para o varejo tradicional, que deve perder participação no bolo das vendas. Se a digitalização do consumo não é panaceia para todos os males, representa o canudo salvador que permitirá ao comerciante, imerso nas águas turvas da recessão, continuar respirando.

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