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Rever a meia-entrada

Ancine abre consulta sobre benefício, aplicado de maneira ineficiente no Brasil

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Espectadores assistem a 'O homem invisível' no cinema do shopping Frei Caneca, antes das restrições impostas pela pandemia
Espectadores assistem a 'O homem invisível' no cinema do shopping Frei Caneca, antes das restrições impostas pela pandemia - Zanone Fraissat - 13.mar.20/Folhapress

Não há nada mais gratificante para um político do que distribuir benesses com as quais os cofres públicos não precisam arcar diretamente. Assim proliferam no país legislações que obrigam empresários do setor cultural e organizadores de eventos a conceder descontos de 50% nos ingressos para diferentes categorias de consumidores.

No plano federal, a meia-entrada é assegurada a estudantes, idosos, jovens de baixa renda e portadores de deficiência. Se considerarmos também leis de estados e municípios, o benefício pode se estender a professores da rede oficial, servidores públicos, pacientes de câncer, doadores de sangue e medula e membros dos sindicatos.

Não surpreende que o contingente daqueles que pagam o valor cheio caia ano a ano. Em 2017, pagaram inteira em cinemas 29,9% dos espectadores; em 2019, apenas 21,6%. Quem pode consegue uma carteirinha que lhe garanta o desconto; quem não pode acaba deixando de frequentar espetáculos.

Quando quase 80% do público paga meia, não é difícil notar que há algo de errado na lógica do sistema. Por isso a Ancine abriu consulta pública para discutir os méritos da obrigatoriedade da meia-entrada. O Ministério da Economia se posicionou contra o instituto.

De fato, a meia-entrada pode ser descrita como um sistema de subsídios cruzados altamente ineficiente. Como os preços são livres, o ônus maior recai sobre a parcela da população que paga inteira.

Como essa parcela tem diminuído, os preços sobem para manter a viabilidade do negócio —excluindo mais consumidores e forçando novo reajuste, num círculo vicioso.

Exceto pelos jovens de baixa renda, não existe nenhum indício de que as categorias contempladas pela legislação sejam as que de fato precisariam do fomento.

Os jovens mais ricos passam mais anos com carteira de estudante do que os mais pobres. O rendimento de idosos é na média maior que o dos adultos mais jovens. E nem se fale de servidores públicos, que detêm a maior média salarial do país.

Se o fenômeno da meia-entrada estivesse restrito ao setor cultural, poderíamos tratá-lo como uma excentricidade custosa, mas com potencial de dano limitado.

O problema é que a lógica de oferecer diferentes preços para diferentes grupos, com notáveis perdas de eficiência, se reproduz em inúmeras áreas, como transporte público, acesso a crédito e até o pagamento de tributos.

editoriais@grupofolha.com.br

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