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Daniella Meggiolaro e Arthur Sodré Prado

Tribunal de Justiça de São Paulo versus Superior Tribunal de Justiça

Há liberdade de exercício da magistratura ou insegurança jurídica no TJ-SP?

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Daniella Meggiolaro

Advogada criminalista e sócia de Malheiros Filho, Meggiolaro e Prado - Advogados, é presidente da Comissão de Direito Penal da OAB-SP e vice-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)

Arthur Sodré Prado

Advogado criminalista e sócio de Malheiros Filho, Meggiolaro e Prado - Advogados, é membro da Comissão de Direito Penal da OAB-SP e voluntário do IDDD

O notório dissenso entre o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) nos revela como os juízes se colocam diante dos problemas do sistema de Justiça criminal.

O Brasil continua a ocupar o 3º lugar entre os países que mais encarceram no mundo, mantendo presas pessoas como Lucas Trindade, que, após ser flagrado com 10 gramas de maconha, morreu de Covid-19, aos 28 anos, na cadeia.

E qual a contribuição dos juízes para esse cenário? Em dois momentos, o desembargador Guilherme Strenger, presidente da Seção Criminal do Tribunal de Justiça paulista, sugere a resposta. Segundo ele, compete aos magistrados paulistas agir de forma consequencialista e "proteger a sociedade e os cidadãos de bem". Na nota "Ainda há juízes em São Paulo", diz que "não obstante a existência de perigosas facções criminosas", o estado desponta "com os melhores índices de segurança do país, resultado que, em grande parte, deve-se à atuação firme e obstinada de seus magistrados, sobretudo na área criminal".

Mas quais seriam os dados empíricos a sustentar o mito de que prender mais diminui a criminalidade? Teria o desembargador levado em conta os custos sociais e econômicos do encarceramento, ou a alocação desses recursos no lugar de investimentos em outras áreas? Não seria um incentivo à criminalidade mandar um jovem à escola do crime quando as taxas de reincidência são de 42,5%?

Por outro lado, os números são eloquentes ao demonstrar que o TJ-SP mantém milhares de pessoas presas até que elas consigam levar seus processos para Brasília. O ministro Sebastião Reis, do STJ, afirma que o volume de casos provenientes da corte paulista cresce vertiginosamente, tendo mais que dobrado de 2018 (5.201) para 2019 (11.341). Diz ainda que "o percentual de habeas corpus concedidos integralmente ou em parte, que em 2015 era de apenas 21%, chegou a 48% em 2019, o que nos permite concluir que a discordância do tribunal paulista com o STJ só tem aumentado ao longo dos últimos anos".

A independência dos magistrados não está cerceada quando eles aceitam cumprir o entendimento das cortes superiores. Porém, ao prevalecer a opinião pessoal do juiz sobre a segurança pública, há uma enorme insegurança jurídica, que torna a liberdade alheia, a depender do resultado da distribuição do processo, objeto de nefasta loteria.

A menção ao conto "O moleiro de Sans-Souci" pelo desembargador aponta uma distorção sobre o papel de um magistrado. Na história do escritor francês François Andrieux (1759-1833), o vassalo sustenta existirem juízes em Berlim justamente para protegê-lo de uma decisão política do rei. É um exemplo de como o juiz, pela lei, controla o Estado.

O juiz criminal protege todos, inclusive o "cidadão de bem", quando salvaguarda os interesses e garantias de um acusado no processo penal. É seu papel proteger o fraco do mais forte, e não o contrário. Juiz protege o cidadão do Estado; o vassalo do suserano; o dono do moinho do rei; o índio dos exploradores. E o Tribunal de Justiça de São Paulo não é, e não pode ser, um Tribunal de Justiça bandeirante.

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