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Marcos Lisboa

Tributação da advocacia

Que a OAB lute para reduzir favor tributário que beneficia parte da elite

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Marcos Lisboa

Economista e colunista da Folha, é casado com Zeina Abdel Latif, filha de palestino, com imensa maioria da família na Cisjordânia

O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, e os advogados Eduardo Maneira e Luiz Gustavo Bichara (também membros da ordem), publicaram nesta Folha o artigo "A pseudorreforma tributária" (5.ago.2020). Trata-se de uma crítica à minha coluna "Brasil imaginário" (25.jul.2020).

A coluna rebatia o argumento feito pela ordem de que a proposta de substituir o PIS e a Cofins por uma nova contribuição, a CBS, necessariamente aumentaria a carga tributária dos escritórios de advocacia que estão no regime do lucro presumido.

Marcos Lisboa, presidente do Insper e colunista da Folha
Marcos Lisboa, presidente do Insper e colunista da Folha - Zanone Fraissat - 12.jun.19/Folhapress

Atualmente, esses escritórios pagam 3,65% de PIS e Cofins sobre o seu faturamento. Na reforma proposta pelo governo, a alíquota sobe para 12%, porém passará a ser calculada sobre o valor adicionado.

Diferentemente do que ocorre com as regras em vigor, as empresas que compram serviços poderão se creditar integralmente dos 12% da CBS paga ao fornecedor. Dessa forma, o escritório de advocacia poderá aumentar o preço dos seus serviços sem alterar o gasto total de quem o contrata. O aumento da tributação por parte do escritório resultará em menos tributos a serem pagos pelo comprador.

Como escrevi na coluna, haverá, sim, aumento da tributação dos escritórios de advocacia que prestam serviço a pessoas físicas. Mas, neste caso, trata-se de reduzir uma distorção. Os impostos existem e devem ser pagos igualmente em todas as decisões de consumo, seja de contratar advogados, seja de comprar eletrodomésticos. Cabe mencionar que os escritórios pequenos, no regime do Simples, estão fora da reforma.

Os membros da OAB também argumentam que seria desejável uma reforma mais ampla, que reduzisse as demais distorções tributárias existentes. Nada a contestar.

Uma das distorções é o regime do lucro presumido mencionado pelos representantes da ordem, que beneficia advogados e economistas ao permitir que sócios de empresas paguem efetivamente uma alíquota de imposto menor do que os trabalhadores em geral.

Nesse regime, a lei estabelece que 32% do faturamento corresponde ao lucro, e apenas sobre esta parcela há incidência de tributação sobre a renda. Os sócios do escritório nada mais pagarão quando receberem esses lucros na forma de dividendos, pois, supostamente, já teriam pago seu imposto quando o lucro foi gerado na empresa.

Para entender a distorção provocada por esse regime, um escritório que fature R$ 10 milhões por ano apenas deverá considerar R$ 3,2 milhões como lucro tributável, cobrando-se sobre este valor pouco menos de 34% (quase 25% de IR e 9% de CSLL). Os sócios do escritório pagam, portanto, cerca de R$ 1,1 milhão a título de tributação sobre a renda, mesmo que o seu lucro efetivo tenha sido bem maior.

A própria OAB afirma, em manifestação ao Ministério da Economia contra a CBS, que "os profissionais liberais (...) não exercem atividade econômica com organização de fatores de produção, mas unicamente com o próprio esforço intelectual". Isso significa que quase todo o faturamento de um escritório de advocacia é remuneração dos sócios e advogados.

Digamos que o escritório gaste 20% do faturamento com despesas administrativas e seus sócios recebam R$ 8 milhões de dividendos. Esse lucro é bem maior do que o estimado pela regra atual (R$ 3,2 milhões). Como resultado, a alíquota efetiva de tributação sobre a renda dos advogados será de pouco menos de 14% (1,1 ÷ 8). É muito menos do que paga um trabalhador com salário bem menor.

Será muito bem-vindo o engajamento da OAB para reduzir esse favor tributário que beneficia parte da elite em detrimento dos demais trabalhadores.

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