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Julia Braga

Vale a pena flexibilizar o teto de gastos para ampliar a transferência de renda em definitivo? SIM

Financiamento viria com a emissão de dívida pública a baixo custo

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Além de mal desenhado juridicamente, o nome "teto de gastos" não caracteriza corretamente o efeito que esta regra impõe. Não se trata de um teto, mas sim de uma prensa que vai achatando a possibilidade do governo em gastar ao longo do tempo. Isso porque a regra impõe uma redução dos gastos do governo como proporção do PIB.

O alemão Adolph Wagner observou a tendência de gastos públicos aumentarem na proporção do PIB como efeito do processo de desenvolvimento econômico. A denominada Lei de Wagner encontra evidência de sua validade na literatura empírica. Estimativas do FMI apontam que, em média, no mundo desenvolvido, essa proporção passou de 20% na década de 1950 para 40% nos anos 1980. Além do processo de urbanização, contou também o fato de o Estado passar a ser demandado a prestar serviços de assistência social, de saúde e de educação, cujos custos de provisão tendem a crescer relativamente aos preços dos bens industriais. A partir da década de 1990 essa proporção parou de crescer, mas oscilou em patamar elevado, entre 40% e 45% do PIB. Não se observa qualquer tipo de redução, como requer a regra do teto de gastos.

Julia Braga, professora associada da Faculdade de Economia da UFF (Universidade Federal Fluminense) e diretora da Associação Keynesiana Brasileira
Julia Braga, professora associada da Faculdade de Economia da UFF (Universidade Federal Fluminense) e diretora da Associação Keynesiana Brasileira - Arquivo pessoal

Ao contrário de previsões catastróficas, a flexibilidade do teto de gastos não gera necessariamente um aumento do risco soberano do país. A preocupação é com a possibilidade de os juros longos aumentarem em relação à taxa básica, inclinando para cima a chamada curva de juros. Nessa crise, a diferença entre a taxa longa de dez anos e a curta alcançou, até agora, cerca de cinco pontos percentuais. Movimento parecido ocorreu na crise do "subprime", quando a situação fiscal do país era significativamente melhor e a dívida pública transitava perto dos 60% do PIB. Trata-se de uma reação comum em tempos de incerteza.

Vale dizer que esses juros longos são afetados por expectativas. O temor é que o aumento dos gastos públicos leve a um processo inflacionário e a uma elevação intensa da taxa básica de juros nos próximos anos. Este é um cenário improvável. O Brasil conviveu com baixo crescimento e inflação alta na década de 1980; contudo, apesar de suas peculiaridades, o processo inflacionário brasileiro ocorreu em um contexto internacional muito diferente, quando a inflação era alta em vários outros países, após os dois choques do petróleo na década de 1970.

É verdade que a taxa de inflação é afetada por pressões cambiais e pela recuperação dos preços das commodities. No entanto, o processo inflacionário só se torna consistente se houver uma reação dos núcleos de inflação, que dependem do quadro do mercado de trabalho. No momento em que os investidores percebem que a inflação não acelera, voltam a ser atraídos pelos rendimentos mais altos dos títulos públicos de longo prazo.

A pandemia apenas agravou uma realidade do mundo moderno, em que faltam empregos tradicionais e sobra mão de obra, mesmo as mais qualificadas. O mercado de trabalho no Brasil, com altos níveis de desemprego, subemprego e informalidade, já era precário mesmo antes do coronavírus. Enquanto durar esse quadro, no Brasil e no mundo, há necessidade de o governo prover uma renda básica a essas famílias. Por outro lado, enquanto esse quadro durar, não serão observadas pressões inflacionárias aceleracionistas.

Mesmo que oscilem, os juros nos países avançados devem permanecer baixo nos próximos anos. Isso significa que o Brasil tem uma janela de oportunidade em que pode financiar esses gastos com a emissão de dívida pública a um baixo custo.

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