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Jacqueline Pitanguy

A cruzada contra as mulheres brasileiras

Em nome de quem fala o Brasil ao adotar tais posições nas Nações Unidas?

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Jacqueline Pitanguy

Socióloga, é ex-presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (1986-1989) e ex-professora da Universidade Rutgers (EUA)

Em um primeiro momento, as forças que sustentam movimentos ultraconservadores parecem ser heterogêneas e dispersas. Um olhar atento revela que essas forças estabelecem articulações inusitadas, como as alianças do Brasil com Arábia Saudita, Bahrein, Qatar, Paquistão, Egito, Afeganistão e Sudão no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Único país ocidental nessa articulação, o Brasil, que professa majoritariamente o cristianismo, aliou-se a países islâmicos e ultraconservadores onde as mulheres são, ainda, cidadãs de segunda categoria.

É importante que as mulheres brasileiras, cidadãs com plenos direitos, saibam que, na esfera das Nações Unidas, é com esses países que o Brasil se alia em temas relativos aos seus direitos humanos. Em nome de quem fala o Brasil ao adotar tal posição na ONU?

Em reunião do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, cujo tema principal era a aprovação de resolução proposta pelo México sobre a discriminação contra mulheres e meninas, o Brasil, aliado a esses países, se colocou contra a inclusão de parágrafos inteiros que recomendavam o acesso a informações e métodos contraceptivos —e a direitos e à saúde sexual livre de coerção e discriminação, assim como a textos relativos à prevenção e ao tratamento de infecções sexualmente transmissíveis e ao aborto legal. Nessa reunião, a delegação brasileira ainda se posicionou contra a inclusão do direito ao acesso universal à educação sexual.

Em nosso país, milhões de brasileiras exercem direitos assegurados na Constituição e em legislações nacionais relativos à sua vida sexual e reprodutiva. Utilizam métodos contraceptivos, recorrem a serviços de saúde para tratar infeções sexualmente transmitidas e podem optar por recorrer ao abortamento seguro, realizado em condições médicas e sanitárias adequadas, se são vitimas de estupro, correm risco de vida ou o feto é anencefálico.

Em nome de quem fala o Ministério das Relações Exteriores ao se colocar contra os direitos assegurados às cidadãs brasileiras? Será que fala apenas em nome de radicais fundamentalistas, como os que negaram a uma menina de dez anos o direito de interromper uma gestação resultante de estupro?

É importante aproximar essas posições do governo em foros internacionais do cotidiano das mulheres e meninas brasileiras, alertar para o fato de que política externa e políticas públicas nacionais se entrelaçam atualmente em uma coreografia perversa de negação de direitos.

O silêncio do Brasil no Conselho de Direitos Humanos ao se abster junto com Qatar, Líbia e Afeganistão de votar, e aprovar a resolução, aceita pela maioria dos governos, contra a discriminação de mulheres e meninas e pelos seus direitos sexuais e reprodutivos, não é neutro. É um silêncio que ecoa marcando sua parceria com países que se caracterizam pela submissão das mulheres. É um silêncio que nos envergonha.

Em nome de quem o Brasil se empenha em destruir o que foi assegurado em documentos internacionais e regionais assinados em outros governos, contrariando inclusive leis e políticas públicas vigentes no país?

Trata-se de uma cruzada contra os direitos e a saúde sexual e reprodutiva das mulheres. Em nome de quem cavalgam esses cruzados?

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