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Marcia Zollinger e Helena Palmquist

A desproteção das terras e o genocídio dos povos indígenas

Avanço do desmatamento e da Covid-19 forma cenário desalentador

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Marcia Zollinger

Procuradora da República, é mestra em direito pela UFPR

Helena Palmquist

Mestra em antropologia pela UFPA e assessora do Ministério Público Federal

Final da década de 1980. Ramais cortam áreas da terra indígena Apyterewa, no rastro da exploração ilegal de mogno. Indígenas de recente contato, os parakanãs assistem à invasão de seu território e iniciam uma luta pela proteção de suas terras —que é uma luta pela própria vida.

E que ainda não venceram, apesar de uma série de mobilizações e batalhas judiciais. Em 2007, derrotando inúmeras tentativas de políticos de interferir no processo, a Apyterewa foi finalmente homologada pelo governo federal. Mas nem a homologação foi capaz de assegurar a proteção do território parakanã. Hoje, eles ocupam apenas 20% das próprias terras e convivem com o barulho de grandes máquinas de garimpo, motosserras, tratores e a fumaça constante das queimadas.

Projetos desenvolvimentistas que avançaram na Amazônia nos primeiros 15 anos do século 21, sem consulta prévia, livre e informada aos povos afetados, explicam em parte a atual situação da ​Apyterewa.

Apesar de ações do Ministério Público Federal apontando os vícios e riscos do projeto da usina de Belo Monte, em 2010 a licença prévia foi expedida. Entre as condicionantes, um plano de vigilância e fiscalização das terras indígenas afetadas, com instalação de postos de vigilância em regiões estratégicas, incluindo a desintrusão da Apyterewa, com retirada de todos os ocupantes não indígenas.

A desintrusão até hoje não foi concluída. As bases de proteção territorial só foram construídas em 2016 —e apenas algumas das originalmente previstas. Enquanto Belo Monte funciona a todo o vapor, os parakanãs vivem hoje confinados na menor porção de seu território.

A situação extrema que os parakanãs suportam com os impactos de Belo Monte se agravou a partir de 2019. Com a eleição de Jair Bolsonaro, suas declarações elegendo indígenas como inimigos da pátria e a desestruturação fiscalizatória promovida pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a impunidade e a expectativa de regularização das terras griladas deram combustível para criminosos intensificarem as atividades ilegais na Amazônia.

A região do médio Xingu, no Pará, é uma das mais afetadas. Ituna Itatá, Apyterewa, Cachoeira Seca e Trincheira Bacajá registraram em 2019 índices alarmantes de desmatamento, com aumentos percentuais em relação ao ano de 2018 de 754,24%, 434,77%, 113% e 271,93%, respectivamente.

É nesse cenário desalentador de invasões nas terras indígenas que a chega a pandemia de Covid-19. Temerosos do genocídio e da omissão sistemática de diversas instituições do Estado, a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), em conjunto com seis partidos políticos, ajuizou ação no Supremo Tribunal Federal buscando medidas que contenham o avanço da doença. O STF concedeu liminar obrigando o governo a tomar medidas de proteção, mas não compreendeu a urgência de retirar os invasores, falhando uma vez mais em proteger os territórios e as vidas indígenas.

A chegada avassaladora da pandemia para os povos indígenas revela a vulnerabilidade a que tem sido expostos e a conexão autoevidente entre a desproteção dos territórios e o risco concreto de genocídio. Os povos indígenas estão fazendo o chamado. Não cabe a nós calar.

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