Descrição de chapéu

Cloroquina encalhada

Tão absurda quanto a defesa da droga é a decisão de empurrá-la aos estados

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O presidente Jair Bolsonaro segura uma caixa de hidroxicloroquina após contrair Covid-19, em julho
O presidente Jair Bolsonaro segura uma caixa de hidroxicloroquina após contrair Covid-19, em julho - Divulgação

O voluntarismo às vezes funciona em competições esportivas, mas tende a ser ruim na administração pública e péssimo na medicina. Não obstante, o presidente Jair Bolsonaro atropelou os princípios da boa gestão e da ciência ao determinar a produção e distribuição de comprimidos de cloroquina para combater a Covid-19.

O resultado é que o Ministério da Saúde agora lida com enormes estoques da droga, fabricados pelo Exército ou doados pelos Estados Unidos, e tenta desová-los pelos municípios e estados, que tampouco precisam deles.

A cloroquina e sua variante hidroxicloroquina são fármacos excelentes para tratar malária e algumas doenças autoimunes. No início da pandemia, acreditou-se que poderiam ser eficazes contra a Covid-19. Centenas de grupos de pesquisa as escrutinaram e a conclusão é que, se elas têm efeito sobre a moléstia, é pequeno demais e não compensa o risco dos graves efeitos adversos que podem produzir.

Desde maio, a recomendação quase unânime de reguladores e associações médicas é que não sejam utilizadas para tratar a Covid-19.

Bolsonaro, porém, resolveu ignorar todos os passos que a ciência deu e insiste, sem apoio em evidências sólidas, que todos os pacientes devem receber cloroquina ao primeiro sinal da doença.

É difícil aqui determinar se o absurdo maior é um presidente despreparado tomar uma decisão dessa natureza ou o Ministério da Saúde se esforçar para implementá-la. Para tudo existem procedimentos técnicos e jurídicos que não podem ser contornados nem pelo mandatário da República. Cabe ao Ministério Público avaliar se não houve irregularidades e, caso as detecte, processar os responsáveis.

A cloroquina, o mais emblemático dos equívocos na epidemia, não é o único e talvez nem o mais letal. O péssimo desempenho do Brasil se explica ainda pela falta de liderança do presidente.

Bolsonaro, porém, não peca apenas por omissão. Ele também o fez de forma ativa, ao insistir em declarações que negavam a gravidade da doença e ao pressionar pela reabertura precoce da economia, atitudes que incentivaram pessoas, em especial seus eleitores, a adotar maus comportamentos.

Pesquisadores chegaram a registrar um vínculo causal entre as falas de Bolsonaro, quedas nas taxas de isolamento e aumento das mortes. Não é sempre que a ciência pega um presidente em flagrante.

editoriais@grupofolha.com.br

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