O 'novo normal' e os velhos padrões

Corremos o risco de retornar a níveis de pobreza e extrema pobreza dos anos 1990

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Desde o início da pandemia da Covid-19, a expressão "o novo normal" ganhou destaque internacional, usada para descrever as inúmeras mudanças e adaptações que a população tem vivido devido às necessidades impostas pelo isolamento social. Trata-se de tentativas de nos adequar a um novo cotidiano, marcado por restrições de todo tipo. Afinal, é a regularidade que asseguraria nossa sobrevivência e bem-estar em situações adversas.

Como desdobramento, questiona-se se tais mudanças nos nossos padrões de comportamento e relações sociais serão permanentes e como vamos absorvê-las. Mas pouco se fala sobre o "novo normal" não se apresentar a todos da mesma forma. Ele é construído das experiências de vida de pessoas e grupos que estão não só vivendo situações profundamente heterogêneas mas que também partem de condições muito desiguais e muito naturalizadas no "velho normal".

O "novo normal" no Brasil está nos conduzindo ao passado. Corremos o risco de retornar a níveis de pobreza e de extrema pobreza dos anos 1990, e o mercado de trabalho caminha a passos largos para indicadores igualmente dramáticos. As nossas velhas e regulares desigualdades moldaram o "novo normal" com suas mesmas clivagens sociais, raciais, de gênero e regionais.

Desigualdades são produzidas através de decisões políticas, econômicas e sociais. Não são apenas consequências imponderáveis de efeitos estruturais. Desigualdades se enfrentam com políticas públicas emergenciais quando necessário, mas também com políticas de longo prazo.

No contexto atual, é crucial ter no horizonte políticas que protejam os grupos que estavam e estão frágeis e que, mantidas as condições atuais, tendem a se fragilizar ainda mais por um longo período. São crianças e adolescentes pobres, negros e das escolas públicas os que tiveram mais dificuldade de acesso às aulas, assim como foram as mulheres, particularmente as mulheres negras, as mais afetadas no mercado de trabalho e na renda.

Não podemos esquecer que as famílias mais pobres enfrentarão mais problemas para se reestruturar com as perdas causadas pela Covid-19 e dependerão do SUS para tratar das consequências dessa doença. E são principalmente os mais pobres que vão continuar a morrer no "novo normal".

Antes da pandemia, a população mais pobre do país já vinha pagando o preço mais alto pela crise econômica e por sua até então lenta recuperação. Aumentar a conta desse grupo é levar o país de volta ao mapa da fome e da miséria, ao "velho normal", ainda mais perversamente desigual.

Márcia Lima é professora do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo e coordenadora do Núcleo Afro do Cebrap

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