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Daniel Douek

O que há de novo no novo Oriente Médio?

Normalização das relações entre Israel e países árabes é costurada há anos

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Daniel Douek

Cientista social, é mestre em letras pelo Programa de Estudos Judaicos e Árabes da USP e diretor do Instituto Brasil-Israel

Neste terça-feira (15), delegações de Israel, dos Emirados Árabes Unidos (EAU) e do Bahrein reúnem-se na Casa Branca com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para a assinatura de uma “Declaração de Paz”.

Contando com a presença do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu e dos ministros das relações exteriores Sheikh Abdullah bin Zayed Al Nahyan e Abdullatif Al Zayani, o evento tem sido descrito como “histórico”, uma vez que abre espaço para o estabelecimento de canais permanentes de conversa, incluindo a instalação de embaixadas, voos diretos entre os países e cooperação em diversas áreas, até segurança.

O encontro acontece dois dias depois do 27º aniversário da assinatura dos Acordos de Oslo, quando, no mesmo local, o então primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin, e o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Yasser Arafat, selaram o tratado que previa uma solução para conflito entre israelenses e palestinos, com mediação do presidente americano, Bill Clinton.

Diferenças nos contextos locais, regionais e internacionais de quase três décadas para cá ajudam a entender os motivos de se dar visibilidade agora a um arranjo que, de maneira discreta, vem sendo gestado há vários anos.

Naquele momento, em 13 de setembro de 1993, os Estados Unidos eram governados pelo Partido Democrata; Israel, pelo Partido Trabalhista, de centro-esquerda. Os palestinos integravam a mesa de negociações. No cenário externo, organizações multilaterais gozavam de algum prestígio e fortaleciam-se com a consolidação da União Europeia. O mundo se globalizava, em meio à hegemonia americana, e a maior parte dos países árabes condicionava a normalização das relações com Israel à resolução da questão palestina.

Hoje, o panorama é outro. Os Estados Unidos são governados por um outsider do Partido Republicano. Israel, depois do fracasso das negociações de paz e da Segunda Intifada, é liderado, há mais de dez anos, por um partido de direita, o Likud. Os palestinos foram excluídos do processo decisório, com sua liderança criticando os países árabes que optaram por normalizar as relações com o Estado judaico sem que a questão palestina tivesse sido resolvida. No cenário externo, organizações multilaterais encontram-se desacreditadas e, na esteira de críticas ao “globalismo”, querelas internacionais tornaram-se uma força menos mobilizadora do que o nacionalismo.

No Oriente Médio, as últimas décadas foram marcadas pela investida estadunidense no Afeganistão e no Iraque, pelos levantes da “Primavera Árabe”, pela guerra civil na Síria e pelo surgimento do Estado Islâmico, cujas consequências implicaram a emergência do Irã como potência regional e um certo deslocamento da bússola do mundo árabe do norte da África e do Levante para os países do Golfo pérsico, em especial a Arábia Saudita.

É nesse contexto de transformações que EAU e Bahrein, aliados do regime saudita, vão assinar um pacto para a normalização das relações bilaterais com Israel, mediado pelos EUA.

No plano discursivo, Trump tenta vender a ideia de que o “pragmatismo” pode vencer a “ideologia”, que impedia a paz entre árabes e judeus —Netanyahu, a de que a fórmula para negociar com os países árabes é “paz por paz”, e não mais “terra por paz”, na qual israelenses deveriam ceder territórios conquistados em prol da convivência pacífica com os seus vizinhos. Já as monarquias do Golfo, a de que obtiveram o congelamento da expansão militar israelense sobre territórios palestinos, contrapartida presente no anúncio do acordo.

Concretamente, porém, a percepção da ameaça iraniana é o principal elo que conecta esses países. Críticos do acordo nuclear entre EUA e Irã, costurado por Barack Obama, Israel, EAU e Bahrein, encontraram em Trump um aliado. Em 2018, o presidente americano abandonou o que chamou de “terrível acordo unilateral que nunca deveria ter sido feito”, mas, para além das sanções econômicas —facilmente reversíveis no caso de uma mudança de governo—, era preciso colocar algo em seu lugar para pressionar o governo iraniano.

A venda de equipamentos militares e o compartilhamento de tecnologia na área de segurança entre os inimigos do Irã parece ser a resposta de Trump para desequilibrar o tabuleiro na “guerra fria do Oriente Médio”.

Às vésperas das eleições que poderão tirar o presidente americano do poder, a possibilidade de fechamento da janela de oportunidade tornava a consolidação de uma nova realidade no Oriente Médio um assunto urgente.

Ainda não se sabe ao certo quais são os detalhes do acordo a ser assinado nesta terça-feira (15), e talvez nunca se saiba, o que torna difícil avaliar, inclusive, sua possibilidade de sucesso num eventual contexto turbulento. Mas a espetacularização em torno dele, mais por parte dos EUA e de Israel do que dos países do golfo, indica a importância do recado.

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