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Nuno Sampaio

O sentido público e universal dos acervos de arquitetura

Legado de Paulo Mendes da Rocha será acessível às futuras gerações

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Nuno Sampaio

Diretor-executivo da Casa da Arquitectura, de Portugal

A doação do acervo de Paulo Mendes da Rocha para a Casa da Arquitectura – Centro Português de Arquitectura causou reação em ambos os lados do Atlântico, o que demonstra sua importância.

A Casa da Arquitectura é uma instituição portuguesa —sem fins lucrativos e de caráter cultural— estabelecida através de parcerias entre entidades públicas e privadas, tendo, entre outros objetivos, a divulgação da arquitetura, nacional e internacional, através ações culturais, turísticas e sociais que contribuam para sua compreensão.

Arquiteto Paulo Mendes da Rocha
O Arquiteto Paulo Mendes da Rocha - Divulgação

O que a difere dos centros de ensino que arquivam, disponibilizando o acervo como matéria-prima aos seus pesquisadores, é que, além de acolhê-los e tratá-los, sua missão é também disponibilizá-los universalmente.

Sendo uma instituição privada, mas com missão pública, a Casa é reconhecida, desde 2014, pelo Ministério da Cultura de Portugal com uma chancela que facilita financiamentos privados e públicos, desde prefeituras (principalmente a de Matosinhos, onde está sediada) até o governo português.

Dez anos após a sua fundação, a Casa instalou-se em 2017 num complexo de 5 mil m2, totalmente adaptado à sua missão. Se sua face pública é a área expositiva, com duas salas que concentram 1.200 m2, seu âmago é o arquivo. Antes de serem guardados, os elementos são tratados (e podem ser restaurados) em local que soma 500 m2. Por fim, o material é levado ao arquivo, de 1.000 m2.

Com acesso restritíssimo, ele é subdividido em função do material: arquivos de maquetes, de materiais estáveis, de materiais instáveis, de fotografia, de material textual e digital. São raríssimas as instituições dedicadas ao tema que possuem infraestrutura semelhante, tendo cada um dos arquivos climatização adequada às funções, variando de -5 oC até 19 oC, 24 horas por dia, 365 dias por ano.

O tratamento dos arquivos é um trabalho contínuo, moroso, caro e, muitas vezes, incompreendido, o que torna difícil o seu financiamento em qualquer país. Mas o que torna ainda mais premente garantir sua preservação é o fato de que, em média, apenas 35% do trabalho dos arquitetos são construídos. Muitas vezes, desenhos e maquetes são o único registro de anos de trabalho. Sem conservação, este patrimônio não pode ser estudado, ficando, irremediavelmente, perdido.

Devido à qualidade técnica, da equipe do arquivo e do compromisso da instituição em tratar, disponibilizar e divulgar os acervos, a Casa tem sido procurada por inúmeros arquitetos e familiares que desejam doar, como Eduardo Souto Moura, Gonçalo Byrne, Carrilho da Graça e Pedro Ramalho.

A Casa apostou na constituição de coleções territoriais, a exemplo da Coleção Brasil. Com curadoria de Fernando Serapião e Guilherme Wisnik, ela é formada por 107 projetos produzidos nos últimos 90 anos por cerca de 60 arquitetos. Cerca de 200 brasileiros doaram à Casa cerca de 55 mil elementos.

Com o intuito de promover o debate, a Coleção Brasil gerou vários desdobramentos. O primeiro foi a mostra “Infinito Vão – 90 anos de arquitetura brasileira”, a maior mostra coletiva sobre a arquitetura brasileira realizada em todo o mundo, que se expandiu num um livro e em mais de 80 atividades que atraíram mais de 50 mil pessoas.

Para valorizar o arquiteto brasileiro em seu próprio território, a Casa estabeleceu parcerias com instituições brasileiras: a mostra "Infinito Vão", por exemplo, será inaugurada no Sesc 24 de Maio, em São Paulo, ainda em 2020, graças à parceria com o Sesc-SP. Celebramos que o "Infinito Vão" tenha estimulado a organização de novos acervos no Brasil, como o de Jorge Wilheim ou o de Fábio Penteado, cuja primeira ação foi acolhida pela Casa: “Irradiações”, a primeira mostra internacional dedicada a ele.

A Casa já montou uma terceira exposição sobre arquitetura brasileira, “Duas Casas”, que tratou de dois trabalhos de Paulo Mendes da Rocha. Além de ser um intérprete do Brasil, ele é a personificação da dimensão do arquiteto. Sua arquitetura é, tal como sua pessoa, universal.

A maior parte de seus edifícios está no Brasil e cabe a todos o empenho por sua preservação. À Casa da Arquitectura, honrando a doação, compete ainda guardar seus documentos, um patrimônio universal, tornando-o um legado acessível às futuras gerações.

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