Sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, está nas mãos do Supremo Tribunal Federal decidir de se os pais, por sua exclusiva vontade, podem ou não escolher seguir o calendário de vacinação de seus filhos.
Eventual (e injustificada) resistência pode ser motivada pelos mais variados pretextos, inclusive escusas filosóficas, religiosas, morais, existenciais, de desconfiança —ou até sem motivos. A nosso sentir, a questão é de simples resolução e vai muito além da mera vontade dos “possuidores” do poder familiar. Do ponto de vista jurídico, em diversas passagens da Constituição Federal (tais como artigos 5º, 6º, 196 e 227) existem expressas referências ao direito à saúde (e à vida) dos menores, inclusive como dever da família, da sociedade e do Estado, em benefício de crianças e adolescentes, a serem tratados com absoluta prioridade.
Por sua vez, no âmbito infraconstitucional, o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) se complementam quanto ao poder dos pais sobre os filhos incapazes (crianças e adolescentes). Para Wilson Oliveira, “o poder familiar é um instituto jurídico destinado a proteger os filhos menores”.
Trata-se de um poder-dever atribuído pelo poder público aos pais, visando que os filhos sejam zelados, o que passa necessariamente pela saúde dos mesmos. O desrespeito a esse dever até pode gerar a destituição dos pais desse encargo, já que o objetivo é sempre o bem-estar do menor.
O ECA considera criança os menores até 12 anos incompletos; entre 12 e 18 anos são chamados adolescentes. Na mesma norma, existe a expressa determinação do artigo 14, parágrafo 1º, de que a vacinação é obrigatória em casos recomendados pelas autoridades sanitárias.
O Programa Nacional de Imunização (PNI) foi criado em 1973 e é um dos mais completos do mundo. No calendário de vacinação, na sua imensa maioria, a previsão vacinal ocorre até a maioridade, e todas as vacinas são previamente testadas e aprovadas; portanto, bastante seguras e eficazes. Todas as doenças prevenidas pelas vacinas, se não forem alvo de ações prioritárias, podem voltar a se tornar cíclicas e a atingir grande número de pessoas —menores e adultos.
O ato de não vacinar, além de um risco ao negligenciado, representa uma ameaça extremamente nociva à saúde pública de todos, já que pais que optam por esse caminho estão pondo uma infundada vontade individual por sobre o coletivo e por sobre o interesse público, sem falar no prejuízo ao menor não vacinado, desconsiderando a consequência desse ato no nível macrossocial, já que estão expondo toda a sociedade a doenças de fácil prevenção.
Uma vez os pais decidam não vacinar um filho, e se acaso a criança vier a falecer, exatamente em virtude de uma dessas doenças cobertas pela vacinação obrigatória, gratuitamente fornecida e ministrada na rede pública de saúde, isso é passível de ser caracterizado como homicídio culposo —modalidade negligência ou até mesmo homicídio doloso (dolo eventual), já que os pais, conscientemente, assumiram o risco de levar o menor à morte pela sua opção deliberada de não vacinar.
Ser vacinado é um direito inalienável e indisponível da criança e do adolescente. É dever do Estado, e isso deve se sobrepor a qualquer vontade individual dos pais, desejo esse que talvez nem fosse o mesmo do menor, se acaso ele conscientemente pudesse dar o seu próprio consentimento informado e esclarecido.
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