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Caio Miranda Carneiro

Plebiscito é a democracia em sua essência

Paulistanos têm o direito de decidir sobre o futuro do Minhocão

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Caio Miranda Carneiro

Advogado e vereador em São Paulo (DEM), é autor do projeto que prevê a realização de um plebiscito sobre o destino do elevado Presidente João Goulart, o Minhocão

Fiquei surpreso ao ler nesta Folha o artigo do arquiteto e colunista Nabil Bonduki ("Plebiscito, aprovado de forma vergonhosa, é a melhor opção para decidir o futuro do Minhocão?" - 13.set.2020), com críticas à aprovação pela Câmara Municipal de São Paulo de um plebiscito sobre o destino do elevado João Goulart, o Minhocão. Minha surpresa foi ainda maior ao constatar que o articulista teme a convocação de uma consulta popular, que pode ser a primeira do gênero “a decidir sobre um projeto urbano em São Paulo”, quebrando uma tradição que ele quer preservar.

Há, contudo, momentos em que velhos paradigmas precisam ser rompidos para dar lugar ao novo, como nos ensinou a saudosa ministra da Suprema Corte dos EUA Ruth Bader Ginsburg, falecida dia 18 último. Graças à sua ousadia, a juíza deixou um legado inestimável na luta pelo avanço da sociedade.

No caso do Minhocão, há uma memória autoritária a ser vencida. Ao ser construído em 1969, no auge da ditadura militar, as decisões eram tomadas de cima para baixo, sem qualquer espécie de diálogo com quem quer que seja. Hoje a situação é diferente. A minha proposta de se ouvir a população é um procedimento que deveria despertar entusiasmo nos democratas, em vez de vergonha.

É claro que o assunto precisa ser debatido de forma mais ampla, mas negar a importância dos debates até agora realizados só contribuiu para disseminar a desinformação, sem esclarecer o que de fato acontece. Nos últimos dois anos foram, sim, realizadas audiências públicas às quais compareceram não apenas especialistas em urbanismo, inclusive da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP), como também entidades representativas de moradores das áreas afetadas pelo Minhocão, como Campos Elíseos, Consolação e Santa Cecília, além dos respectivos Consegs (Conselhos Comunitários de Segurança). Houve consenso? Certamente não, mas a divergência faz parte do jogo democrático.

De resto, a Prefeitura de São Paulo divulgou a devolutiva da 1ª Consulta Pública do PIU (Projeto de Intervenção Urbana) Parque Minhocão, realizada ano passado, na qual 47% dos entrevistados defendem o desmonte; 39% querem sua manutenção como via de tráfego rápido, e apenas 14% apoiam a iniciativa do parque.

Na contramão do que dizem os números, o projeto avançou em plena pandemia, sem laudo técnico que ateste a segurança do decrépito viaduto. Com mais de 50 anos, as estruturas estão nitidamente degradadas, com rachaduras nos pilares e alagamento em dias de chuva —como, aliás, ocorre em outros viadutos que desabaram devido à decrepitude. Não sou contra a criação de parques, mas entendo que a população mereça algo de melhor qualidade.


Também considero absurda a tendência de determinados urbanistas em comparar o chamado Parque Minhocão ao High Line, de Nova York, vendendo uma falsa ideia de modernidade. Na realidade, o parque nova-iorquino custou US$ 150 milhões, com o valor da manutenção anual de US$ 10 milhões, sendo feita por um grupo de empresários e pela sociedade civil. Além disso, é proibida a entrada de cachorros, de aparelhos de som e a venda de bebidas alcoólicas, ao contrário do que acontece no seu similar paulistano.

Se ficar comprovada que a estrutura está comprometida, estão previstos os gastos de aproximadamente R$ 38 milhões para a recuperação da via elevada, que tem 3,5 km de extensão e largura de 15 a 22 metros, contra os 2,5 km construídos e largura de 9 a 15 metros do High Line.

São Paulo tem 107 parques públicos e não consegue fazer a zeladoria adequada em todos eles, o que é fácil de se constatar na prática. O próprio Minhocão recebeu a instalação de sete murais de plantas nas paredes dos edifícios a partir de 2015, mas. no ano passado, como noticiado na imprensa, os jardins verticais sofriam com a infestação de insetos por falta de manutenção.

Outro ponto que merece atenção é a qualidade de vida dos moradores do entorno devido ao barulho, à poluição e à falta de privacidade. De acordo com o Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da USP, quem passa ao redor ou embaixo do Minhocão respira 79% de poluição a mais em comparação à média da cidade. Existe ali existe um confinamento permanente de gases, com ou sem o trânsito de veículos.

Está certo que a maioria da população consultada pela Datafolha em 2014 preferiu a manutenção do viaduto como via de trânsito, já que está tem sido sua finalidade há 52 anos. Só que de lá para cá muita coisa mudou, com o surgimento de novos conceitos, como a mobilidade e as metas da agenda 2030.

A mudança de mentalidade é necessária para que São Paulo funcione cada dia melhor. Sem apego à tradição, devemos acreditar que a população tem não só discernimento, mas o direito de decidir.

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