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Política da fé

Com muitas igrejas virando negócio, é crucial elevar sua transparência financeira

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O pastor Roni Negreiro durante culto da Igreja Universal do Reino de Deus
O pastor Roni Negreiro durante culto da Igreja Universal do Reino de Deus - Zanone Fraissat - 31.jan.20/Folhapress

Desde 1946, a Constituição brasileira garante a imunidade de igrejas e templos para impostos. O dispositivo, que se manteve inabalável nas Cartas seguintes, tem como objetivo assegurar a liberdade de culto e impedir a criação de tributos que onerem minorias religiosas.

Essa garantia, cujo anacronismo talvez merecesse um debate maduro, impede que União, estados e municípios possam cobrar taxas que incidam sobre o patrimônio, a renda ou os serviços promovidos por centros religiosos. No que depender do Congresso e do presidente Jair Bolsonaro, essa lista de privilégios deve crescer ainda mais.

Um projeto de lei aprovado recentemente pela Câmara, originalmente sobre acordos para pagamento de precatórios entre a União e seus credores, veio turbinado por uma emenda do deputado David Soares (DEM-SP).

A proposta estabelece que as igrejas não só deixem de pagar contribuições, caso da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e da previdenciária, como as anistia de dívidas tributárias de cerca de R$ 1 bilhão —um despautério em condições normais e injustificável na atual situação.

Os débitos referem-se a cobranças feitas pela Receita Federal, que nos últimos anos identificou manobras de templos para distribuir lucros e remuneração variável a funcionários sem o devido pagamento desses tributos.

Premido pela equipe econômica para que vetasse o dispositivo, sob risco de incorrer em crime de responsabilidade, Bolsonaro foi solerte. Seguiu a recomendação, mas apenas parcialmente, mantendo o perdão das multas aplicadas sobre a denominada "prebenda", o pagamento que ministros de ordens religiosas recebem.

Embora obrigado a cumprir o que determina a lei, Bolsonaro agiu como o incendiário que é e estimulou os parlamentares a derrubarem o seu veto, dizendo que o faria se pudesse —corrompendo um instrumento crucial do Executivo.

Como se o milagre fosse pouco, o governo deve propor uma emenda à Constituição "a fim de atender a justa demanda das entidades religiosas" nas questões tributárias. Com isso, o presidente visa a agradar uma de suas principais bases, já mirando a reeleição em 2022.

A discussão deveria ser outra. Com muitas igrejas se convertendo em verdadeiros negócios, é imperativo aumentar a transparência dos rendimentos que elas auferem e a maneira como os distribuem, incluindo salários e bens.

O Estado brasileiro, como se sabe, é laico, mas ainda mantém, na prática, relações no mínimo ambíguas com instituições religiosas —certamente menos por temor a Deus do que pelos seculares interesses dos políticos.

editoriais@grupofolha.com.br

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