Na noite de terça-feira (29), o presidente Donald Trump e seu rival democrata, Joe Biden, protagonizaram o mais insólito confronto entre dois postulantes à liderança dos Estados Unidos que já se viu.
Desde o primeiro debate presidencial televisionado, no qual um altivo John Fitzgerald Kennedy trucidou um amarrotado Richard Nixon em 1960, esses eventos passaram a ser vistos como momentos de gala do processo político americano.
Com regras limpas para garantir a exposição de ideias e o esclarecimento dos eleitores, além de inibir golpes abaixo da cintura, tornaram-se clássicos da democracia ocidental e ofereceram um modelo imitado no mundo inteiro.
Entretanto, assim como o cavalheirismo deu lugar um dia à guerra mecanizada, parece não haver mais espaço para a civilidade.
O público global, porque a eleição na potência mundial fala aos interesses de todos, foi exposto a uma torrente inócua de vulgaridades, em que Trump conseguiu rebaixar ainda mais o nível que tinha estabelecido nos embates com Hillary Clinton, há quatro anos.
O presidente rasgou as regras acordadas com o comitê suprapartidário responsável pela organização do encontro, interrompeu o adversário repetidamente e bateu boca até com o moderador.
O republicano jogou para sua plateia e não parecia preocupado em ganhar indecisos para suplantar Biden, que hoje ostenta 7 pontos de vantagem nas pesquisas. Logo trouxe o democrata, a maior parte do tempo titubeante, para o seu nível. Chamado de burro por Trump, Biden pediu que o rival se calasse e o chamou de palhaço e mentiroso.
Aparentemente atordoado diante da verborragia agressiva do presidente desatinado, seu oponente perdeu a primeira chance de se mostrar ao eleitorado como alternativa racional. Se o mau desempenho irá se refletir no restante da campanha, por ora é insondável.
A constatação possível é outra. Sequestrado pelo método das redes sociais, em que desinformação e ofensas pessoais substituem o cotejamento de visões de mundo, o debate esvaziou-se de sentido —como se a apoplexia que acompanhou a ascensão de Trump e outros populistas o tornasse inviável.
Ainda que se aperfeiçoem as regras, os próximos dois duelos da corrida eleitoral americana prometem mais cenas lamentáveis. É certo que serão avidamente estudados no Brasil de Jair Bolsonaro, talvez o mais fiel discípulo de Trump entre os governantes da safra que chegou ao poder no ciclo recente.
Como tudo o que o ídolo americano faz encontra eco no seu pupilo tropical, os brasileiros já podem ter uma amostra do que lhes espera se o presidente aceitar participar de debates na campanha de 2022.
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