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Angela Vidal Gandra da Silva Martins e Quirino Cordeiro Junior

Utilitarismo, drogas e família

Afrouxamento do controle da maconha pioraria ainda mais o crescente uso recreativo

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Angela Vidal Gandra da Silva Martins

Doutora em filosofia do direito, é secretária nacional da Família do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos

Quirino Cordeiro Junior

Secretário nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas do Ministério da Cidadania

As duas máximas utilitaristas preconizadas por David Hume como pauta da moralidade humana se resumem na busca do prazer e na fuga da dor. Nesse sentido, a neutralidade ética acaba sustentada pelos sentidos internos e externos, e a vida social (des) construída inconsequentemente pela maximização das próprias preferências, em frágil equilíbrio.

Parece que esse embasamento teórico se ajusta às recomendações da OMS propostas pelo Comitê de Especialistas em Dependência de Drogas (ECDD) sobre a revisão do status da Cannabis e de substâncias relacionadas nas Convenções Internacionais de Controle de Substâncias Psicotrópicas da ONU, visando a flexibilização. O tópico será avaliado e votado pela Comissão de Drogas e Narcóticos da instituição até o final deste ano, sendo o teor da decisão de grande impacto sobre o controle de drogas no plano internacional.

A secretária nacional da Família, Angela Vidal Gandra da Silva Martins - Pedro Ladeira - 2.jan.19/Folhapress

Em reunião extraordinária, realizada em 6 de julho deste ano, o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) rejeitou unanimemente a proposta da OMS, tomando como base nota técnica profunda e detalhada, apresentada pela Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas do Ministério da Cidadania e apoiada pela Secretaria Nacional da Família, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

As alterações recomendadas pela OMS são altamente preocupantes, em virtude do grave cenário da Cannabis em todo o mundo. Em 2019, o “Relatório Mundial sobre Drogas “do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) apontou a substância como a droga ilícita mais usada no mundo: o número de usuários aumentou aproximadamente 30% de 1998 a 2017, atingindo cerca de 188 milhões de pessoas. Desse modo, um afrouxamento do controle pioraria ainda mais o cenário do crescente uso recreativo e suas consequências danosas para todo o conjunto social.

Destacamos que a Cannabis é uma droga com alto poder lesivo e com baixa aplicação terapêutica até o presente momento. Assim sendo, não há qualquer justificativa que sustente as recomendações da OMS. Além disso, uma possível aprovação pela supracitada comissão favoreceria o aumento de produção, comércio, armazenamento, posse e uso da substância em todo o mundo, com a diminuição da fiscalização sobre tais atividades.

Tal situação contribuiria ainda para a diminuição da percepção de risco da população sobre os graves malefícios que a Cannabis causa a seus usuários, suas famílias e todo o conjunto social, afetando principalmente as camadas mais vulneráveis das sociedades e multiplicando os graves problemas relacionados às drogas, que já vêm assolando a comunidade internacional nos últimos tempos.

Assim, o reescalonamento da Cannabis para uma categoria menos restritiva de controle internacional significaria problemas importantes para os países membros que usam as convenções da ONU como base para sua política de fiscalizações de drogas.

Por outro lado, tendo o governo brasileiro assumido a família como política pública transversal, e, levantando-se dados sobre a as expectativas das famílias com relação ao tema, através do Observatório Nacional da Família, comprova-se que são radicalmente contra. De fato, pesquisas realizadas pelo Lenad (Levantamento Nacional de Álcool e Drogas) atestam que 75% dos brasileiros não concordam com a legalização da maconha, sendo que as famílias manifestam especial apreensão —a marcha das famílias contra a droga atesta, bem como sua vinculação e apoio às comunidades terapêuticas— por motivos empíricos óbvios: agressividade e distanciamento no lar; evasão escolar; progressiva dependência; danos à saúde física e mental; suicídio e automutilação; rota para o tráfico e para a criminalidade; violência e morte; ciclo vicioso de pobreza etc.

Citamos, como exemplo, desde cartas de familiares de regiões interioranas, comentando que a ambição dos filhos era ser traficante para ganhar dinheiro fácil, comprar tênis de marca etc. à morte causada pelas drogas. O temor justifica-se ainda pelas imensas fronteiras a serem escancaradas legalmente ao narcotráfico, neutralizando todo esforço e gasto público investido não só na prevenção das drogas, mas na dura reabilitação.

“Razões” sem razão para a apoiar a proposta da OMS podem ser encerradas em um círculo "dinheiro-prazer-manipulação/dependência", paradoxalmente fundamentado na liberdade, abrindo-se, em nome dela, o caminho para a escravidão.

Racional e muito razoavelmente, preferimos, juntos às famílias, apostar na capacidade de potencializar talentos reais, e não de anulá-los através do mundo fictício das drogas, edificando cidadãos, e não marionetes. Assim, optamos por fechar um “portal” para abrir um horizonte ilimitado de oportunidades sociais, profissionais e solidárias para consecução de uma ordem social verdadeiramente livre, justa e humana.

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