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Valter Caldana

Vale a pena flexibilizar a Lei Cidade Limpa para instalar outdoors em prédios de São Paulo? NÃO

A elevação da oferta via skyline provoca a desvalorização do conjunto

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Valter Caldana

Arquiteto e urbanista com doutorado pela USP, é professor do Mackenzie e coordenador do Laboratório de Projetos e Políticas Públicas (LPP)

Vale a pena flexibilizar a Lei Cidade Limpa? Em poucas palavras, não. Na cidade onde quase nada funciona, por que valeria a pena desmontar uma das poucas coisas que funciona, e funciona muito bem?

Porém, seguem algumas considerações complementares, ainda que quase dispensáveis.

O arquiteto Valter Caldana, professor do Mackenzie e coordenador do Laboratório de Projetos e Políticas Públicas (LPP)
O arquiteto Valter Caldana, professor do Mackenzie e coordenador do Laboratório de Projetos e Políticas Públicas (LPP) - Reinaldo Canato - 20.set.17/Folhapress

A Lei Cidade Limpa é a maior, talvez única, conquista plena no campo da urbanidade, da qualidade de vida, que São Paulo vivenciou neste século. Todas as outras estão incompletas ou na fila. Diante do apagão urbanístico que assolou a capital por 40 anos, ela é exemplar. Demonstra que se pode fazer boa gestão do marco regulatório e vencer o desalento com bom senso, poucos recursos e muita vontade política.

Por isso, engana-se quem acha que seus benefícios se resumem a uma cidade mais "bonitinha", da qual se pode abrir mão na hora do aperto como se fora um bem supérfluo. Considerá-la perfunctória ou limitada ao embelezamento seria subestimar sua necessidade, a importância do próprio embelezamento e desconhecer seu alcance econômico, político, sanitário, social e cultural. Seria desconsiderar, ainda que por bons motivos, a complexidade da cidade e a importância da qualidade de vida individual e coletiva.

A lei trouxe efeitos positivos visíveis na saúde física e mental da população, diminuindo do estresse dos percursos aos acidentes de trânsito, e benefícios culturais e educativos, reforçando o sentimento de pertencimento aos espaços urbanos, gerando ganhos em segurança e manutenção. Possibilita, ainda, uma série de atividades que identificam São Paulo de forma positiva no conjunto das cidades globais como uma das paisagens e vida cultural mais qualificadas e intensas, melhorando, assim, seu ambiente de negócios e atratividade. No campo político, além de eleger um prefeito, mostra que o envolvimento da sociedade é essencial na construção da cidade.

Na área econômica, financeira e fiscal, o ponto em debate, seus benefícios são enormes, visíveis, mensuráveis e sequer explorados em todo seu potencial. Se verificam nos ganhos de arrecadação sem intermediários, na gestão direta e indireta de serviços públicos como o mobiliário urbano e no fortalecimento de cadeias produtivas variadas, da construção civil, forte empregadora, às comunicações e atividades da economia criativa.

Porém, sendo a lei um sistema de posturas interdependentes, mexer numa delas desarranja o todo em efeito dominó. A elevação da oferta via skyline acarreta a desvalorização do conjunto e está se dando sem um plano de negócios com simulações visuais ou quantificação de riscos, perdas e indicação de benefícios. E num ambiente já vencedor.

A exploração privada de espaços públicos na cidade contemporânea é inexorável. Não cabe discutir "se", mas discutir "como" —e esta é a melhor qualidade e a maior virtude da Lei Cidade Limpa. Nestes 15 anos, ela conseguiu, de forma inédita entre nós, disciplinar como realizar a exploração da paisagem, valorizando-a, extraindo seu potencial de ganhos diretos e indiretos de modo equilibrado, pacificado e, mais importante, beneficiando os envolvidos de modo difuso e coletivo.

Cuidar do ambiente não é só olhar e cuidar do que se vê. É tornar o visível eficiente para a qualidade do invisível, mas sensível: a qualidade de vida cotidiana. Desmontar a lei fragilizando suas colunas poderá fazê-la desabar, colocando por terra este ganho já conquistado.

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