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Lucia Dellagnelo

Ensino híbrido: a nova caixa de Pandora?

Antes de tudo, é preciso uma nova política nacional de tecnologia educacional

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Lucia Dellagnelo

Doutora em educação pela Universidade Harvard, é diretora-presidente do Centro de Inovação de Educação Brasileira (Cieb)

Durante o período de fechamento de escolas para garantir o isolamento social em meio à pandemia de Covid-19, a tecnologia foi utilizada de diferentes formas para oferecer aprendizagem remota a milhares de estudantes. O que aprendemos com essas experiências?

É preciso ter cautela para não transformar a tecnologia em mais uma caixa de Pandora na educação. Para quem não se lembra da mitologia grega, Pandora foi a primeira mulher criada por Zeus, e seu marido, Epimeteu, recebeu de presente uma caixa (ou jarro) que continha todos os males do mundo, com a recomendação de não abri-la. Como era muito curiosa (aparentemente um sério defeito para as mulheres da época), Pandora abriu e deixou escapar os males do mundo, com exceção de um: a esperança.

A esperança pode ser considerada um mal da humanidade se entendida como um desejo superficial do futuro, algo que não exige esforço, dedicação e investimentos para ser concretizado. No caso da educação brasileira, desejar alcançar qualidade e equidade pelo uso da tecnologia sem planejamento, formação de professores e investimentos em infraestrutura é esperança vã, que pode nos causar mais atrasos e retrocessos.

O maior potencial da tecnologia na educação está em ampliar e qualificar as experiências de aprendizagem oferecidas aos estudantes, valorizando e expandindo a mediação dos professores. Em suma, é ser capaz de transformar a educação tradicional baseada na transmissão passiva e massificada em uma educação centrada no estudante, que amplifica a ação de professores e viabiliza a personalização no ensino.

Uma das práticas educativas que integram a tecnologia no processo de aprendizagem chama-se ensino híbrido (“blended learning”). Seu principal conceito é a integração entre diferentes modalidades de ensino e o uso de tecnologias tanto para atividades pedagógicas presenciais quanto remotas. Desde a década passada foram publicados vários estudos mostrando que o ensino híbrido é capaz de aumentar o nível de engajamento e de aprendizagem dos estudantes.

Para ser capaz de implementar o ensino híbrido de forma eficaz, as escolas precisam ser escolas conectadas, isto é, precisam ter uma visão estratégica do uso da tecnologia expressa em seu currículo e práticas pedagógicas, contar com gestores e professores com competências digitais, ter acesso a recursos educacionais digitais de qualidade e dispor de equipamentos e conectividade adequados.

De acordo com diagnóstico realizado em 2018 pelo Cieb (Centro de Inovação de Educação Brasileira), por meio da ferramenta Guia EduTec, as escolas brasileiras ainda estão no nível básico de adoção de tecnologia e precisam de investimentos significativos e sistemáticos para se transformarem em escolas conectadas. É preciso também garantir acesso à internet para milhares de professores e estudantes brasileiros dentro e para além dos muros da escola.

Para não alimentarmos esperanças infundadas na transformação da educação após a pandemia, que seriam ingênuas e tão maléficas como na caixa de Pandora, precisamos de uma nova política nacional de tecnologia educacional.

Desde 1997 o Brasil não tem uma política abrangente para o uso da tecnologia na educação. Os avanços trazidos pelo Programa de Inovação Educação Conectada (Piec), lançado em 2017, ainda não foram suficientes para conectar todas as escolas públicas, desenvolver competências digitais de gestores e professores e permitir o acesso a equipamentos para os estudantes.

Para que o ensino híbrido seja uma realidade nas escolas públicas, e uma alavanca para um salto na qualidade e equidade da educação, é imprescindível desenvolver as competências digitais de professores e garantir computadores e conexão à internet como direito de todos os estudantes brasileiros.

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